Descolonização continua a ter «sentido negativo» para muitos portugueses

Quase quatro décadas depois, a palavra descolonização continua a ter um «sentido negativo» para muitos portugueses, e há quem «continue convencido da excelência do colonialismo» que foi praticado, afirma a investigadora Dalila Cabrita Mateus.

A palavra «descolonização» continua a ser «associada a entrega, abandono, até traição», aponta a investigadora e autora de vários livros sobre a temática numa comunicação proferida hoje na Fundação Mário Soares, em Lisboa.

«E não falta mesmo quem continue convencido da excelência do colonialismo praticado pelos portugueses, que teriam tido um relacionamento excecional com os africanos, pois deram-se e misturaram o seu sangue com todas as gentes que contactaram», afirma.
A investigadora do Centro de Estudos de História Contemporânea Portuguesa da Universidade Nova de Lisboa, ao passar em revista os «principais condicionamentos do processo de descolonização», lembra, contudo, que o colonialismo português foi, «por natureza, opressão e discriminação».

Isto porque, sustenta, nas disposições legais, bem como nas ideias e na prática dos dirigentes do antigo regime, estavam presentes conceções tais como a «superioridade racial dos colonizadores», para quem a expansão colonial seria «um direito das raças superiores, destinadas a serem dominadoras».

Também porque, a nível económico, a colonização era «justificada» com o facto de o país precisar de assegurar os meios capazes de satisfazer as suas necessidades económicas, acrescenta Dalila Cabrita Mateus.

A autora de livros como «A PIDE/DGS na Guerra Colonial» ou «Memórias do Colonialismo e da Guerra» salienta que o colonialismo foi, também, «um regime de rapina, exploração e atraso», em que o «africano não tinha direitos, liberdades, garantias pessoais».
«O trabalhador africano não vendia livremente a sua força de trabalho. Era compelido a trabalhar (…) para colonos e grandes empresas, que, não raro, tinham espoliado as terras da sua tribo», lembra.

Era, pois, natural, prossegue, «que os africanos, insatisfeitos com o sistema colonial, sonhassem com a independência», ambição a qual o «regime colonial respondia invariavelmente com a repressão e o terror»

Dalila Cabrita Mateus lembra que o regime «rejeitou desde início a via negocial» e sempre recusou «qualquer ideia de descolonização».
Ao fechar a porta às negociações e apostar na repressão, acrescenta a especialista, «abriu caminho para a guerra», que desde o princípio assumiu «uma feição marcadamente racial e uma violência inaudita».

Lembra também que ambos os lados cometeram «massacres brutais e indiscriminados». Só em Angola, o primeiro palco da guerra colonial (1961), as «estimativas mais consistentes sobre o terror negro falam de 800 mortos entre os brancos (homens, mulheres e crianças)» e de «milhares de trabalhadores africanos».

Quanto ao «terror branco, um militar de Abril então colocado em Angola, afirma que os soldados [portugueses], auxiliados por colonos e indígenas fiéis, dizimaram milhares de negros em aldeias e provocaram a fuga de muitos outros milhares», acrescenta.
Já em 1974 o regime em Lisboa percebera que a guerra colonial «evoluíra de forma muito desfavorável», lembra a especialista, lembrando que também no plano humano a guerra «adquirira um peso insuportável».

 

 

Fonte: Diário Digital 

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