Negro artificialmente retinto como se fosse “black face”, sorriso largo como um palhaço, lábios carnudos descomunais, estrutura corpulenta como um animal. Era assim que negros eram retratados nos EUA. O Museu Nacional de História e Cultura Afro-Americana, em Washington, dedica uma seção inteira às formas pelas quais o humor racista na era da segregação —na publicidade, nos filmes e no teatro— servia de legitimação do ódio racial.
A diferença de lá para cá é que, em terras brasis, temos o dom de sermos racistas fingindo que não o somos. “Como todo mito, o da democracia racial oculta algo para além daquilo que mostra”, nos ensina Lélia Gonzalez em clássico texto. Nele, a autora relembra estereótipos, como o da “mulata assanhada”: era o nome do “cabo de vassoura que introduzem no ânus dos presos”.
“Se a piada não incitou o ódio e a violência, ela é só uma piada”, disse o comediante Fábio Porchat sobre a decisão judicial de restringir o especial de comédia de Léo Lins. Podemos fingir, Porchat e Lins, que por estas bandas não existe limite para a expressão. Desculpe informá-los, mas decidimos enquanto sociedade que este não é caso. A muito custo colocamos na lei que não há o direito de nos ridicularizar. Discordam? Leiam “Racismo Recreativo”, de Adilson Moreira.
Podemos fingir que o humor não tem consequência; fingir que sua piada não dá munição para que um universitário chame seu colega de escravo; fingir que sua piada não faz com que eu, e muitos iguais a mim, tenham crescido morrendo de medo de apanhar por ser bicha (só neste ano houve 80 mortes violentas de LGBTs); podemos fingir que sua piada não dá munição para que a pessoa com deficiência seja espancada.
Forte demais? Bem-vindo ao nosso mundo. O que para uns é politicamente correto, para outros é sobrevivência. É difícil olhar para o outro quando o umbigo obsta a visão; o pacto da branquitude esquece que pimenta jogada nos olhos não dói quando os olhos não são os seus.