Amílcar Cabral: ideólogo e pedagogo da revolução

Se eu pudesse, fazia uma luta só com livros, sem armas.

      – Amílcar Cabral

 

No dia 20 de janeiro de 1973 completará 47 anos do assassinato de um dos maiores líderes que surgiu no continente africano: Amílcar Cabral, revolucionário guineense que idealizou e pavimentou caminhos para a independência de Guiné-Bissau e Cabo Verde. 

Amílcar Cabral nasceu em 1924, Bafatá, Guiné-Bissau. Durante a infância, apresentou elevado desempenho escolar e conquistou uma bolsa de estudos para cursar Engenharia Agrônoma, no Instituto Superior de Agronomia – ISA. Aos 21 anos, mudou-se para Lisboa onde estava localizado o ISA, assim, deu início a graduação que terminaria em 1952. Concorrente ao curso participou de intensos debates políticos com outros estudantes que demonstravam preocupação acerca da colonização europeia. O centro da inquietude dos pensadores estava relacionado à degradação da cultura africana, com forte influência das escolas, conforme explica Cabral (1978):

Toda a educação portuguesa deprecia a cultura e a civilização do africano. As línguas africanas estão proibidas nas escolas. O homem branco é sempre apresentado como um ser superior e o africano como um ser inferior. Os conquistadores coloniais são descritos como santos e heróis. As crianças adquirem um complexo de inferioridade ao entrarem na escola primária. Aprendem a temer o homem branco e a ter vergonha de serem africanos […]

Amílcar Cabral freqüentou a Casa da África e a Casa dos Estudantes do Império, locais onde desenvolveu atividades artísticas voltadas para a identidade negra, nomeadas por ele como “reafricanização dos espíritos”. Com os estudantes e militantes políticos, fundou o Centro de Estudos Africanos – CEA, o objetivo era estudar o continente africano. Os fundadores viam a necessidade de educar os membros de maneira que compreendessem o “ser negro” na sociedade colonizada, mas o espaço durou apenas dois anos, a Polícia Internacional e de Defesa do Estado – PIDE fechou o local. Cabe lembrar que Portugal estava sob o governo do ditador Antonio de Oliveira Salazar, e qualquer manifestação de resistência à colonização era censurada.

Em 1956 aconteceu a fundação do Partido Africano para a Independência da Guiné-Bissau e Cabo Verde – PAIGC, Amílcar Cabral era o co-fundador e principal liderança do partido. O uso de armas, como instrumento de luta para o processo de independência, era uma das estratégias do PAIGC. Mas Amílcar Cabral não era um entusiasta da luta armada. Ele acreditava que a educação era a arma adequada para a emancipação do povo, mas, naquelas circunstâncias, os colonizadores não ofereciam alternativa diferente, e declarou “Cremos que não escandalizaremos esta Assembleia ao afirmarmos que a única via eficaz para a realização canal e definitiva das aspirações dos povos à libertação nacional – é a luta armada.”

Uma das maiores preocupações de Amílcar Cabral era a assimilação dos valores dos colonizadores pelo povo africano. Ele compreendeu que não adiantaria alcançar a independência política e continuar reproduzindo a cultura alheia. Nas reuniões do PAIGC, a prática pedagógica de Amílcar Cabral reinava. O diálogo com os combatentes ocorria de maneira simples e esclarecedora, sempre oferecendo exemplos pertinentes a vivência. Essa maneira de abordar a realidade conquistou admiradores, como o educador Paulo Freire “Eu cheguei realmente até ter um projeto de fazer um estudo, assim uma espécie de biografia da práxis de Amílcar e era um grande sonho; e em certo sentido eu me sinto frustrado até hoje, porque não pude fazer isso […].

Paulo Freire, ainda relatou que o livro que escreveria teria como título “Amílcar Cabral, Pedagogo da Revolução”. Outro traço importante de Amílcar Cabral foi a incorporação de mulheres na prática revolucionária, mesmo havendo resistência dentro do PAIGC. É importante ressaltar que as mulheres foram fundamentais para que se alcançasse a independência de Cabo Verde e Guiné-Bissau, em 1975 e 1974, respectivamente. Amílcar Cabral é daquelas figuras históricas que merece ser estudada de maneira analítica. Os ensinamentos deixados servem de matéria-prima para todos que se debruçam na luta por uma sociedade mais humana e emancipada politicamente.

REFERÊNCIAS

CABRAL, Amílcar. Unidade e Luta I. A Arma da Teoria. Textos coordenados por Mário Pinto de Andrade, Lisboa: Seara Nova, 1978.

CABRAL, Amílcar . Guiné-Bissau – nação africana forjada na luta. Lisboa. Nova Aurora, 1974.

 

Leia Também: 

Amílcar Cabral e a cultura africana como resistência


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