As Marias Felipas de Hoje

Maria Felipa, mulher Preta, marisqueira, que liderou um grupo de mulheres e índios na batalha contra os portugueses em 1823, chegando atear fogo em cerca de 40 embarcações que estavam atracadas nas proximidades da ilha de Itaparica.´

De acordo com Eny Kleyde Farias, pesquisadora e autora do livro “Maria Felipa de Oliveira: heroína da independência da Bahia”, lançado em 2010, “ As mulheres seduziam os portugueses, levavam pra uma praia, faziam com que eles bebessem, os despiam e davam uma surra de cansanção”. Para quem nunca ouviu falar de cansanção, é uma planta, tradicional aqui da região, também conhecida como urtiga brava, que em contato com a pele, coça, arde. É muito comum aqui na Bahia, falarmos: “vou te dar uma surra de cansanção”.

Na educação básica conheci o nome e um pouco da história de Joana Angélica e Maria Quitéria, inclusive aqui na Bahia, temos rua e monumento em homenagem as elas. Mas nunca ouvir falar de Maria Felipa. Este nome e esta história só chegou aos meus ouvidos através do enfretamento, da luta do movimento negro contra as diversas formas de opressão, inclusive o epistemicídio imposto a população Preta, dentro e fora da academia, do sistema educacional, através da desvalorização, negação e ocultação da importância da diáspora africana, seus saberes, sua cultura e sua imensa contribuição na construção da história, da riqueza e de todo patrimônio monetário e cultural que a Bahia e o Brasil possuem.

Para além das inúmeras mulheres que lutaram ao longo da nossa história e as que ainda lutam anonimamente em seus territórios, em suas comunidades, a cada dia testificamos, que o apagamento do protagonismo das mulheres, sobretudo das mulheres pretas, nos fatos históricos, na ciência, na educação, nas artes e na literatura, tanto aqui no Brasil, quanto no mundo, é uma prática recorrente, e assim ocorreu com as personas femininas que fizeram história na luta pela independência da Bahia.

Possivelmente, o nome de Maria Felipa passava de boca em boca no território da Ilha de Itaparica, local onde ela atuou como guerreira na luta pela independência da Bahia, mas sua atuação e a de todas as mulheres que se juntaram a ela em um ato de coragem e bravura deve estar registrado nos nossos de livros de história.

Falar em Maria Felipa é falar da lei 10.630/03 e 11.645/08 que estabelecem a obrigatoriedade do ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e indígena, mas que na prática não evidenciamos na vida educacional de nossas crianças.

Após este grande feito, Maria Felipa, continuou sua liderança “comunitária” entre os marginalizados à época, da mesma forma como hoje em diversas comunidades temos mulheres, mães, avós encabeçando a luta contra o genocídio da população brasileira, o extermínio do povo Preto e as diversas formas de discriminação e opressão contra os grupos historicamente subalternizados.


Elisabete Pereira
Mulher preta, mãe, crente em Jesus Cristo, feminista; Contadora especialista em gestão pública de formação;
Educadora Popular de coração;
Ativista em alguns movimentos sociais, tais quais:
Movimento Social de Mulheres Evangélicas do Brasil (MOSMEB);
Evangélicas pela Igualdade de Gênero (EIG);

** ESTE ARTIGO É DE AUTORIA DE COLABORADORES OU ARTICULISTAS DO PORTAL GELEDÉS E NÃO REPRESENTA IDEIAS OU OPINIÕES DO VEÍCULO. PORTAL GELEDÉS OFERECE ESPAÇO PARA VOZES DIVERSAS DA ESFERA PÚBLICA, GARANTINDO ASSIM A PLURALIDADE DO DEBATE NA SOCIEDADE. 

+ sobre o tema

Negra, branca ou não branca?

Desde de criança acreditei ser branca, mesmo não possuindo...

Ensino só para as elites?

A crise educacional do Brasil da qual tanto se...

O Genocídio do povo negro no Brasil pós-golpe

por Henrique Marques Samyn (UERJ) via Guest Post para...

Encontro reúne mulheres ativistas de sete países para discutir agendas em comum e fortalecer alianças globais

“III Diálogo Mulheres em Movimento: Fortalecendo Alianças Globais” reúne...

para lembrar

Aposentadoria desejada

As características da sociedade brasileira precisam ser consideradas no...

Tragam-me a cabeça de Lima Barreto

Ancorado no tripé loucura, racismo e eugenia, monólogo com...

O caso Fabiana Cozza: pertencimentos étnicos e dilemas na sociedade da informação

Nesta semana, as redes sociais foram tomadas por um...

Eu, mulher negra…

EU, MULHER NEGRA…Eu, mulher negra…Tenho orgulho de quem sou e de onde vim.Tenho orgulho da mulher que me tornei.Aprendi desde muito cedo, a amar...

James Cone, teologia negra da libertação e luta antirracista

No dia 28 de abril de 2024, completa-se 6 anos da morte do pastor e teólogo James Cone, o sistematizador da teologia negra. Esta...

Por que mandaram matar Marielle Franco? Essa agora, é a pergunta que não se cala…

Seis anos depois e finalmente o assassinato de Marielle Franco e Anderson Borges, parece estar chegando a um final, pelo menos em relação aos...
-+=