Tratar o racismo como brincadeirinha, piada, exagero, mimimi, pilhéria, erro de interpretação, falta de intenção é criminoso, inconstitucional, antidemocrático. Racismo é crime imprescritível e inafiançável, e como tal deve ser tratado. Contudo, na maioria dos casos não é.
Antes que seja evocado o inusitado “racismo reverso”, esclareço que quando características fenotípicas dão azo a chiste depreciativo, uma desumanidade é praticada. Vale para todos, óbvio. Mas nem todos são afetados da mesma maneira.
Além do impacto emocional de um olhar de desdém, uma piada ou um gesto que se insere num contexto de discriminação, preconceito e segregação, quem é negro suporta cotidianamente os efeitos perniciosos de práticas hostis que perpetuam a pobreza e as desigualdades sociais vigentes nessas terras há séculos.
Então, quando alguém que reconheceu “ter tido uma fala racista” e pediu “desculpas a toda a população negra” é absolvido, não só a lei é ignorada, mas também são desrespeitados os direitos da maioria da população do país (56% do nosso povo é autodeclarado preto e pardo, pelo IBGE) e ferida a Constituição Federal.
Foi o que aconteceu na semana passada com o vereador Camilo Cristófaro (Avante-SP), que, em 2022, afirmou, pejorativamente, que “arrumar e não lavar a calçada é coisa de preto” —um clássico do anedotário racista nacional.
Enquanto o Brasil continuar a tratar com naturalidade o fato de a maioria de sua população estar sujeita a viver com restrições impostas historicamente pelo preconceito, situações como ter seu trabalho menosprezado, receber salário inferior, correr o dobro do risco de ser assassinado e ser tratado com suspeição seguirão sendo “coisa de preto”.
Alentador o fato de o ministro da Justiça demitir o delegado da Polícia Federal que afirmou que “pretos não fazem nada direito”. Que seja “pedagógico para o futuro”, como observou Flávio Dino. Do contrário, que a legislação seja aplicada.