Encarnação ódio: sobre as vozes dos movimentos de legitimação da violência

12 de agosto de 2017. Nas mãos de manifestantes em Virginia, EUA, são facilmente reconhecíveis os adornos e adereços usados com o propósito de enfrentar, o que pode ser caracterizado como um conjunto fóbico e paranoico de fantasias sobre alteridades. A suástica nazista, o que, aparentemente no século XXI deveria simbolizar todo mal a ser execrado, em qualquer tentativa de replicação e adoração, ainda é símbolo máximo do ódio e tem sido não apenas revisitada, mas, renovada numa tentativa de imprimir seu valor doloroso em discursos de neosseparatismo.

Por  Delso de Cássio Batista Júnior para  o Portal Geledés 

É inegável que historicamente a pessoas possam sentir uma atração pelo mal e consequentemente que sustentem suas relações por meio da cultivação do ódio. Estes elementos estão culturalmente dispersos, disponíveis e uma vez que são incluídos, propostos e impostos durante a construção identitária e de personalidade, as crias já adultas vão muitas vezes em busca dos criadores, os avatares, muitas vezes de carne e osso, que simbolizam tudo aquilo que aprenderam em suas vidas como um modelo viável de libertação.

Isto subjaz a busca de legitimar todo e qualquer artifício de garantia da supremacia. Com isto, a Violência é a linguagem do terror, uma de maneira de catarse do desejo em pleno desespero. Racismo, antissemitismo, homofobia e sexismo são linguagens do pavor generalizado face á castração, ao fantasma de uma sociedade mais igualitária.

Portanto, acaba por ser urgente a determinação autoproclamada e anti-heroica de tomar aquilo que fantasiosamente foi tida como garantia: a hereditariedade das relações de poder e submissão. Ou seja, as frustrações sociais, que criam uma jornada irracional e agente por uma aristocracia vazia. Estes são sinais evidentes do ‘Fascismo Eterno’ sabiamente descrito por Umberto Ecco.

Neste jogo, o corpo político aparece como representação Rex do discurso ambíguo de (neo) liberdade. A libertação está mais para sinônimo de liberação, neste caso, do conteúdo latente, reprimido, desfavorável á aculturações inclusivas e integrativas. O que está sendo legitimado, no fim de contas, é a permanência de ciclo de violências, físicas e discursivas, forçadamente impostas à serem aceitas porque historicamente ‘sempre foi assim’, e porque, a predisposição da natureza humana é determinada pelo sangue, denunciando falhas estruturais do projeto civilizatório.

Insurgência, resistência e rebeldia de grupos historicamente oprimidos é mais do que negada: é equiparada á formas dominantes de controle violento, que por sua vez, ganha autorização e justificação para deter a ameaça da utopia de igualdade.

Na liquidez da modernidade, complexa proposição do sociólogo Bauman para as relações na pós-modernidade’, os discursos inevitavelmente amparados pela linguagem passam pelo crivo e escrutínio da interpretação individualizada. Palavras soltas na informação difundida sem formação, ganham e perdem sentido o seu nível mais atômico, significados se expandem e encolhem em consonância com o corpo discursivo, que por sua vez navega, liga-se e despoja relações por meio das caravelas digitais que cabem na palma da mão. Os sentidos das coisas fluem. Revertem-se, Invertem-se e pervertem-se.

A Reversão discursiva cria elementos culturais inexpressivos em força sociopolítica e transformativa do pensamento, porém, com efeito nocivo e cáustico por surgirem como resposta retórica às resistências, é o caso do Racismo Reverso.

A Inversão discursiva aponta para o sentido oposto de um discurso construído previamente. Esta oposição requer validação e intenta em refletir como seriam realidades onde outros corpos e discursos, também se legitimassem, com isso, transformando vítimas em algozes, criando a seguir equivalências daquilo que não tem similaridade. Isto ocorre como na comparação direta do Feminismo ao Machismo.

A perversão discursiva está no linguajar do gozo sobre dor. Destitui a moral, corrompe e dissolve identidades. Aniquila proposições de prioridades sociais, perpetua artifícios submissivos em nome da superioridade do desejo individualizado, prazer egóico e hedonismo exclusivo. Esta perversão está presente na distorcida Ideologia de Gênero, e também em grupos hegemônicos, nos partidos políticos extremos.

Há uma mensagem clara sendo veiculada em manifestações pró extremismo: o nosso medo, catalisado pelo ódio, justifica qualquer artifício que seja usado na manutenção da dominação em nome do nacionalismo. Iremos ladrar, morder e atacar, irracionalmente, e por meio do terror reclamar que temos a crença de ser exclusivamente nosso direito. Vamos causar dor e sofrimento, mesmo que tenhamos de sangrar por uma causa inventada, irrealista e irracional.

Para aqueles que não aderem nem são simpáticos a este projeto de perpetuação da dominação por meio do discurso de ódio e violência explícita, cabe ganhar consciência e buscar por posicionamento. Ninguém está a salvo dos males inerentes de movimentos que se instituem sob a insígnia máxima do ódio.

 

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