Felicidade x ideal de beleza: o conceito que aprisiona gerações de mulheres

O filme preferido na minha adolescência era “As Patricinhas de Bervely Hills”. Devo ter assistido mais de cem vezes, cheguei até a decorar as falas das personagens e principalmente da Dionne. O ápice daquele filme, pra mim, foi conhecer a Dionne. Personagem interpretada pela atriz Stacey Dash, uma jovem negra, bonita e rica.

Eu tinha 14 anos e era a primeira vez que via uma jovem negra de tranças na TV interpretando uma adolescente como as jovens brancas que eu assistia nos filmes da Sessão da Tarde: linda, sem problemas financeiros e que namorava. Uma menina negra vivenciando o amor era algo que, aos 14 anos, eu nunca havia visto na TV ou na vida real.

Sucesso dos anos 90, não à toa, o filme transcendeu sua época e até hoje é muito comentado entre as gerações z e millennial. Mas a marca que este filme deixou no meu interior foi muito maior e devastadora do que a presença da Dionne. Há algum tempo venho percebendo o quanto eu aprendi durante a minha adolescência que para atingir a felicidade precisava eu sempre ser mais magra, mais bonita, mais popular.

Se puder criar um termo aqui e agora eu diria que nós, adolescentes dos anos 90, vivemos uma agressiva beauty wash durante a Sessão da Tarde. Não só o filme das patricinhas, mas a maioria dos filmes que assistimos contribuiu para ferrar com o conceito que temos sobre o nosso corpo. Quase todos eles mostravam garotas que pra alcançar o sucesso se submetiam a mudanças físicas e de comportamento. Tiravam os óculos, o aparelho ortodôntico, mudavam as roupas, os cabelos e perdiam alguns quilos para se sentirem realizadas e felizes.

Isso fez com que uma geração de mulheres aprendesse que felicidade só se alcança quando atingimos um determinado ideal de beleza. É como se existisse um passaporte pela felicidade e ele fosse um extreme makeover. Você se reconstrói, se transforma e encontra aquele boy lindo dos sonhos, conquista o emprego desejado, se torna uma das pessoas mais populares do seu grupo.

Mas isso tudo é só nos filmes. Porque com o passar dos anos nós descobrimos que muitos dos boys eram tóxicos e que nem todas as garotas queriam conquistar homens, mas elas também amavam mulheres. O trabalho dos sonhos pode ser algo criado por você mesma, uma empreendedora transformando sua própria realidade através do seu empenho. E a popularidade? Ah! Em tempos de Instagram prefiro falar sobre isso em outro texto.

Nós também descobrimos o quanto o ideal de beleza é uma contra resposta do machismo para as conquistas político, sócio-econômicas das mulheres. Quanto maiores os nossos avanços na ocupação de espaços para os quais fomos historicamente excluídas, maiores são as exigências de beleza expostas nas capas de revistas, nas novelas, nos filmes. Consequentemente, maiores são os números de cirurgias plásticas realizadas pelas mulheres.

E eu te pergunto: para agradar a quem? Quem estamos procurando agradar nesta busca por um corpo perfeito? Parecemos querer agradar a todos menos a nós ou incomodar a todos, gerar um sentimento de inveja e incômodo em quem não conseguiu passar por todas as etapas da felicidade futura.

Tenho 40 anos e zero medo de dizer que não aprendi a viver de maneira saudável com a minha aparência. Continuo com meu cérebro programado para esperar o momento certo de acionar o botão felicidade, a tal felicidade futura. Quando eu pesar 69 quilos, tiver dinheiro para comprar toda a coleção de roupas da Ivy Park, dirigir um Land Rover e minha peruca de cabelo 100% humano balançando como nos comerciais da L’Oréal eu serei feliz.

Me sinto um lixo quando percebo que não consigo valorizar todas as vitórias profissionais e emocionais que tive nos últimos anos e fico à espera de um corpo, um carro, uma roupa e um penteado para ser feliz. E eu sei que muitas das pessoas que lerão este texto também se sentem, sejam elas mulheres ou homens ou sem gênero.

Às vezes me dói perceber que até a Beyoncé me impulsiona a me sentir ainda mais distante da felicidade. Mesmo que ela faça roupas que vistam ao meu corpo tamanho 46 em eterno estado de dieta eu só a vejo perfeita, sem erros, sem momentos que a distancie do padrão pré estabelecido e imposto há anos e agora impulsionado pelo instagramável. Tudo tem que ser instagramável.

Tem que estar bonito no Instagram para as pessoas curtirem, mandarem corações, elogiarem, escrevem perfeita. Mas o que é ser perfeita? Será que estamos sendo reais ou meras marionetes a alimentar o bolso de meia dúzia de homens brancos bilionários que estão determinando o momento em que eu serei feliz, e este momento nunca é agora é sempre amanhã quando eu comprar a roupa y, fizer a cirurgia x e dirigir o carro h?

Eu queria terminar este texto com uma receita mágica do que fazer pra sair deste sentimento pesado de infelicidade do agora em busca da felicidade do amanhã que eu nem sei se existe, mas eu não tenho essa receita. Eu só sei dizer que você é linda do jeito que você é. Mesmo que não existam referências, faça do seu reflexo no espelho a sua própria referência e vá em busca de ser feliz agora.

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