Filme resgata história de resistência de comunidade quilombola Kalunga no interior de Goiás

A história de resistência e a briga pela regularização fundiária da área quilombola Kalunga, no norte de Goiás, ganhou ontem (19) as telas do 11° Festival Internacional de Cinema Ambiental (Fica). O documentário Kalunga, de Luiz Elias e Pedro Nabuco, foi exibido na mostra competitiva.

Na tela, depoimentos e histórias de moradores da área Kalunga e um retrato dos costumes e das tradições africanas mantidas pelas comunidades, que em 1982, quando os diretores começaram a filmar, ainda viviam praticamente isoladas.

“Desde a primeira vez vi a beleza do povo, os costumes, o preservado deles. Como estavam isolados conseguiram preservar uma história diferente da nossa. A beleza da cultura negra estava ainda bem nova, sem ser corrompida pelo nosso processo colonizador”, afirmou Elias, emocionado após deixar a sala de exibição sob aplausos.

A beleza das imagens captadas no coração da Chapada dos Veadeiros também tem razão política: garantir a regularização das terras quilombolas. O território foi titulado em 2000 pela Fundação Palmares, vinculada ao Ministério da Cultura. Em 2003, a competência para regularização dessas áreas foi transferida para o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que diz estar próximo de concluir o processo.

“Essa é a razão do filme. Lutei pelo filme para que eles tenham o direito ao que é deles. A terra é deles, não tem razão para não ser. O presidente da República falou, o governador falou”, citou Elias, em referência à visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao território Kalunga em 2004, registrada no filme.

Outro conflito, registrado pelo documentarista na década de 1980 e atualmente revivido pelos kalunga, é a tentativa de construção de uma hidrelétrica na área quilombola. O projeto atual, da Rialma Companhia Energética, da família Caiado, prevê a instalação de uma pequena central hidrelétrica (PCH) de 30 megawatts. A área em estudo para o empreendimento abrange 67 mil dos 253 mil hectares da área Kalunga, 26,5% do total.

Segundo Elias, que concluiu as filmagens do documentário este ano, a decisão sobre autorizar ou não a construção da PCH tem dividido as lideranças da comunidade.

“Eu não sou ambientalista, sou artista, mas sou contrário à hidrelétrica. Sou contra o empreendimento, mas sou a favor de desenvolvimento, um olhar para eles mais apurado. Não sou a favor de que eles fiquem lá isolados sem dinheiro. Eles têm direito ao consumo que eles queiram ter: escolas boas, roupas boas, ver os filhos formados”, afirmou o diretor.

No próximo dia 24, os diretores pretendem exibir o documentário para as comunidades do território Kalunga, durante os festejos de São João.

“Como a polêmica da hidrelétrica está fazendo com que eles briguem entre eles, achei que o melhor lugar para exibir o filme era aqui, num fórum ambiental. Se aqui ele foi aplaudido por uma sala cheia, se as pessoas deram um olhar para a questão, isso vai facilitar a decisão deles [sobre a hidrelétrica]”, afirmou Elias.

* A repórter viajou a convite da organização do evento // Edição: Lílian Beraldo

Matéria de Luana Lourenço*, da Agência Brasil, publicada pelo EcoDebate, 20/06/2009.

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