Representantes de Geledés-Instituto da Mulher Negra participaram entre a segunda-feira, 25, e esta sexta-feira, 29 de setembro, de uma agenda intensa de monitoramento e defesa dos Direitos Humanos no Brasil junto à Organização das Nações Unidas (ONU), na sede da organização em Genebra, na Suíça.
Durante a semana, foram diversos foros multilaterais dedicados à promoção dos Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (DESCAS), realizados entre membros do Geledés, representantes de organizações da sociedade civil e peritos da ONU. Na quarta-feira, 27, Geledés esteve com duas peritas do Grupo de Trabalho de Desaparecimentos Forçados, Angkhana Neelapaijit, da Tailândia, e Ana Lorena Delgadillo Perez, do México.
Assim como vem acontecendo em outros fóruns das Nações Unidas, a agenda de Geledés na ONU tem como pano de fundo o combate global ao racismo sistêmico histórico, que se perpetua ao longo dos séculos no Brasil e priva a população negra de seus direitos fundamentais.
Segundo o Mapa dos Desaparecimentos no Brasil, lançado em maio de 2023 pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 56% dos desaparecidos, entre 2019 e 2021, são negros, sendo que a taxa de adolescentes é de 2,8 vezes superior à média nacional.
“Há uma ameaça contínua à população afrodescendente, especialmente aos jovens e às mulheres negras, decorrente de um projeto de extermínio de longa data. Existe também a imposição de medidas de austeridade nas políticas orçamentárias atualmente implementadas no Brasil, bem como em outros países do Sul global”, afirmou o advogado de Geledés, Gabriel Dantas, durante reunião do comitê.
O Grupo de Trabalho de Desaparecimentos Forçados, composto por cinco peritos, ajuda as famílias a encontrarem o paradeiro de seus parentes. Juntos, eles investigam casos individuais e produzem relatórios e pareceres para cumprir o mandato, com reuniões três vezes ao ano em Genebra. Geledés levou a esse Grupo de Trabalho as demandas da população negra, que está sendo exterminada de forma contínua e progressiva no Brasil.
O grupo transmite regularmente aos Estados um resumo das alegações recolhidas de fontes variáveis que podem ser familiares de pessoas desaparecidas ou relatos de organizações não governamentais credíveis. Depois, solicita ao Estado brasileiro um parecer sobre o relatório. A ideia de Geledés é começar um trabalho de conscientização sobre a temática racial dentro destas organizações que tratam dos desaparecimentos.
Na quinta-feira, a coordenadora e fundadora de Geledés, Sueli Carneiro, participou virtualmente do evento “Os desafios atuais dos DESCAs” no Brasil, transmitido online e que contou também com a presença de outros especialistas internacionais e defensores de direitos humanos. Com mediação de Paulo Lugon Arantes, advogado do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), o encontro contou com a participação presencial de Inaye Gomes Lopes, mestre em História e vereadora Kaiowá, Mobu Odo Arara, cacique do povo Arara, Iara Pietricovski, consultora do Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC), Fernando Pigatto, presidente do Conselho Nacional de Saúde, Julieta Rossi, membro do CDESC, Francisco Cali Tzay, relator Especial da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas, e com a presença virtual de Marina Fonseca (ONG Criola).
Em sua fala, Sueli Carneiro disse considerar que o “principal desafio dos DESCAS no Brasil atualmente é o recrudescimento da negação dos direitos de cidadania ocorrido nos últimos anos como consequência do avanço do racismo, da misoginia e o fundamentalismo religioso sobre o Estado e a sociedade que agravaram os padrões de exclusão social e extermínio vigentes no Brasil, desde sempre, contra a maioria da população do país que é negra”.
A filósofa e coordenadora de Geledés retomou a urgência de união de dois Brasis apartados, em temática abordada em um discurso dirigido ao presidente Lula, quando ela assumiu como membro no Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável (CDESS), o chamado Conselhão, em maio de 2023.
No debate na ONU, Sueli descreveu uma série de práticas discriminatórias que vêm ocorrendo no Brasil para finalmente concluir: “O resultado desse conjunto de práticas discriminatórias de base racial é um país apartado racialmente do ponto de vista da realização dos direitos de cidadania que os diferentes Índices de Desenvolvimento Humano encontrados para brancos e negros no Brasil, ilustram cabalmente, sendo o IDH de pessoas brancas compatível ao de países desenvolvidos e o IDH dos negros brasileiros abaixo dos de países em desenvolvimento conforme nos informa o estudo do PNUD Brasil deste ano sobre a trajetória desigual do IDH no Brasil”.