Homenageada da Flica, Mãe Stella afirma: ‘Se não registra, o vento leva’

Em entrevista, Ialorixá fala da importância de livros sobre o candomblé.
Sacerdotisa da religião afro-brasileira participa de mesa literária no dia 1º.

Danutta Rodrigues – Foto: Egi Santana/G1

Maria Stella de Azevedo Santos, mais conhecida como Mãe Stella de Oxóssi. Autora de oito livros e ocupante da cadeira 33 da Academia de Letras da Bahia, a senhora de cabelos brancos e voz firme, porém mansa, ocupa o cargo mais alto no terreiro Ilê Axé Opó Afonjá, situado no bairro do Cabula, em Salvador. Este ano, a Ialorixá foi escolhida para ser a grande homenageada da Festa Literária Internacional de Cachoeira (Flica), que começa na próxima quarta-feira (29) e vai até o dia 2 de novembro, em Cachoeira, cidade do recôncavo baiano. (No vídeo acima, Mãe Stella fala sobre literatura e religião)

A lucidez aos 89 anos da sacerdotisa do candomblé é constatada logo em uma das primeiras frases ditas ao ser perguntada sobre o ensinamento da religião afro-brasileira superar a oralidade e ser repassado por meio de livros: “Se a gente não fala, ninguém sabe quem nós somos. O que a gente não registra, o vento leva”. No próximo dia 1º de novembro, a Ialorixá será uma das convidadas para a mesa literária intitulada “Os Rastros de Antigos Laços”, que terá como mediador o historiador, escritor e PhD em História da Cultura Negra, Jaime Sodré.

Literatura e religião
Para Mãe Stella de Oxóssi, entender os significados do candomblé contribui para valorização da religião. “Eu falo de uma forma que clareie a mente das pessoas sobre o que é a nossa crença, do que é formada a nossa crença, como é que nós processamos, o dia a dia de qualquer axé, a nossa responsabilidade com o mundo lá fora, porque religião não é profissão. É uma vocação”, defende Mãe Stella.

Segundo ela, para escrever sobre religião é necessário ter comprometimento e, por meio da leitura que a Ialorixá descobriu o prazer em escrever sobre o que vivencia dentro do terreiro e também a respeito dos acontecimentos cotidianos.

A história de Mãe Stella com a literatura vem desde a adolescência. A Ialorixá contou que aos 14 anos foi iniciada no candomblé e, desde então, sempre gostou muito de ler, até mesmo notícias de jornais que criticavam a religião. O interesse pela leitura fez com que Mãe Stella modificasse o próprio pensamento e, após se entregar ao cargo de Ialorixá, com cerca de 40 anos, decidiu fundar uma biblioteca dentro do terreiro, que continua em funcionamento. “Ainda temos ela aqui. Temos também um museu com as nossas memórias. Essas coisas me dão muita alegria, a mim e a todo mundo que pensa e que valoriza nossa crença, porque através desses escritos que estamos tendo visibilidade no mundo inteiro”, comemora.

Produção literária
O processo de produção literária de Mãe Stella é peculiar. Ela conta que desde sempre escreveu sobre diversos assuntos, não só relacionados ao candomblé. Assim, com o tempo e a reunião desses “escritos”, como define, deu-se origem aos livros publicados pela sacerdotisa. “Como eu lia bastante, gostava também de fazer apreciação daquilo que eu li. Alguns escritos eu já tinha. Eu colocava sempre em um cantinho. E, um filho de santo ou outro eu colocava para arrumar e isso se transformou em livro. Já tenho publicado cerca de oito livros”, conta.

Este ano, Mãe Stella lançou mais um livro, “O que as Folhas Cantam (para quem canta Folha)”, que tem o objetivo de revelar o saber filosófico e religioso do povo de candomblé. A obra revela a sabedoria contida em mais de sessenta cânticos da língua yorubá, através da tradução para o português. Com esse e outros títulos, a Ialorixá consegue atender ao objetivo de tornar conhecida a religião tradicionalmente conhecida pela oralidade e resistência.

Biblioteca Itinerante
Na Flica, Mãe Stella vai concretizar mais um sonho, o de levar a Biblioteca Itinerante, que consiste na reunião de livros sobre diversas religiões em um ônibus, para Cachoeira, cidade que sedia a festa. Um dos objetivos do projeto é atrair, principalmente, crianças e adolescentes para o universo da leitura. “A ‘Biblioteca Itinerante’ fala sobre todas religiões. Nós também procuramos valorizar as religiões dos outros. Não tem uma religião melhor do que a outra. Todas são formadas com as mesmas características. Então, se eu tenho a minha crença e você outra, cada um valoriza o seu e procura fazer tudo de acordo que dê a entender o por que você está nela”, conclui.

 

 

Fonte: G1 

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