O sistemático ataque às religiões de matrizes africanas perpetrados diariamente pela Igreja Universal por meio das redes de televisão por ela controladas encontraram na Justiça, enfim, a devida condenação ao desrespeito que praticam a um dos pilares de nossa construção democrática , que é o respeito à liberdade de culto e religião constitucionalmente assegurado.
Por Sueli Carneiro
O sistemático ataque às religiões de matrizes africanas perpetrados diariamente pela Igreja Universal por meio das redes de televisão por ela controladas encontraram na Justiça, enfim, a devida condenação ao desrespeito que praticam a um dos pilares de nossa construção democrática , que é o respeito à liberdade de culto e religião constitucionalmente assegurado.
A decisão, inédita na Justiça brasileira, é resultado da ação de direito de resposta de autoria do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e desigualdades (Ceert), do Instituto Nacional da Tradição e Cultura Afro-Brasileira (Intecab) e do Ministério Público Federal. Como resultado, a Rede de TV Record e a Rede Mulher foram condenadas a exibir, por sete dias consecutivos, um programa de tevê com uma hora de duração cuja finalidade é o exercício do direito democrático de resposta e de esclarecimento contra as acusações discriminatórias veiculadas em seus programas religiosos. Também deverão inserir três chamadas diárias durante a sua programação (uma pela manhã, uma à tarde e outra à noite), comunicando a exibição e o horário do programa de resposta.
A decisão da juíza Marisa Cláudia Gonçalves Cucio decorreu de análise minuciosa do conteúdo dos programas veiculados pelas referidas redes, concluindo a juíza que “não há como negar o ataque às religiões de origem africana e às pessoas que as praticam ou que delas são adeptas”.
Porém, a Igreja Universal vem resistindo em acatar a decisão judicial. Para isso, se tem utilizado de todos os expedientes possíveis para negar a legitimidade desse direito de resposta liminarmente conquistado, sendo um dos mais insidiosos dos seus procedimentos a tentativa de acusar de censura uma prática evidente de discriminação e violação de direitos das religiões de matrizes africanas. Tenta, com isso, realizar o milagre da transformação de sua condição de ré em vítima. O outro artifício vem consistindo em desqualificar e ofender os proponentes da ação.
Para atender à referida decisão que acata o direito de resposta na forma citada acima, os autores da ação produziram um programa no formato de um talk show intitulado Diálogo das Religiões, que, para além de promover diálogo ecumênico respeitoso, visou também promover a consciência do papel da mídia brasileira em relação aos perigos da intolerância religiosa. Nesse programa se manifestam lideranças de todas as denominações religiosas que formam a diversidade de práticas espirituais do país: ialorixás, babalorixás, o arcebispo metropolitano de São Paulo, um monge zen budista, um reverendo presbiteriano, um rabino, um xeique e ainda intelectuais, juristas, artistas e ativistas de diferentes causas dos direitos humanos.
O programa resultou num ato de celebração da vida e das diferentes manifestações do divino que alimentam a espiritualidade humana. E, sobretudo, simbolizou para a sociedade brasileira o anseio profundo de transformação de nossa mítica vocação racial, étnica e religiosamente democrática em atos de verdade, de fundamento efetivo de uma civilização brasileira. Uma metáfora do país que tantos querem e que uma minoria, intolerante, elitista e preconceituosa vem vitoriosamente tentando impedir que emerja.
Assim, todos ali presentes reiteraram a convicção de que temos a chance, talvez única no mundo, de realizar o grande banquete sonhado pelo protestante Martin Luther King. Manifestando o melhor de cada uma das tradições ali presentes, celebraram a indivisibilidade da humanidade, a dignidade de todo ser humano e o que há de divino em todos nós. Nessa mesa da fraternidade, os frutos servidos foram o respeito, o reconhecimento, a fraternidade, a aceitação, a compaixão e os direitos de que cada ser humano é portador.
É a esse testemunho de comunhão da diversidade religiosa que engrandece o país e, também, de repúdio à intolerância, ao preconceito e à discriminação, que a Igreja Universal reage e pretende impedir que venha a público.
É essa possibilidade democrática e tolerante que a Igreja Universal pretende esconder de seus telespectadores, porque retira a legitimidade moral e espiritual de uma denominação religiosa que precisa condenar e demonizar outras formas de espiritualidade para validar a sua expressão religiosa. O programa Diálogos Religiosos expõe o isolamento da Igreja Universal nessa mesa da fraternidade. Para ocultar essa realidade, suas redes de televisão ingressaram com medida cautelar contra o direito de resposta, recurso que será julgado nos próximos dias pelo ministro Francisco Cesar Asfor Rocha, do Superior Tribunal de Justiça.
A confraternização de espiritualidades promovida pelo Diálogos Religiosos demonstra que a tolerância e a observância do preceito constitucional sobre a liberdade de crença e religião são as únicas formas de “descarrego” capazes de “exorcizar” a nova encarnação do “demônio”: o fundamentalismo.