As desigualdades raciais no mundo do trabalho são vistas a olhos nus. Quem conhece o Brasil sabe a cor de pele e a textura dos cabelos de quem ocupa o topo e de quem ocupa a base da pirâmide social. E o abismo com o qual convivemos está mensurado: a diferença na taxa de desemprego entre brancos e negros é de 71,2%; brancos recebem, em média, 56,6% a mais que a população negra; dentre profissionais contratados para cargos de liderança em São Paulo no ano de 2019, apenas 3,69% eram pretos ou pardos; mulheres negras são apenas 0,5% do quadro executivo das 500 maiores empresas brasileiras.
Tais dados costumam ser ignorados por quem comanda as organizações e, ano após ano, contratações e promoções atualizam seus quadros reproduzindo os mesmos critérios racializados. Mas a escolha que privilegia um grupo racial e exclui outro não está nomeada, é evidente. O silenciamento e a negação de que existe um problema racial a ser resolvido é parte da engrenagem eficaz do racismo brasileiro.
Cida Bento, referência nos estudos das relações raciais no mercado de trabalho, descortinou este fenômeno em sua tese de doutorado chamada “Pactos narcísicos no racismo: branquitude e poder nas organizações empresariais e o poder público”, defendida no Instituto de Psicologia da USP, em 2002. Ela estuda a interdição de pessoas negras a espaços de poder a partir da noção de branquitude. “Branquitude como preservação de hierarquias raciais, como pacto entre iguais, encontra um território particularmente fecundo nas Organizações, as quais são essencialmente reprodutoras e conservadoras”. É mais ou menos assim: a pessoa branca que ocupa um posto de comando reproduz as mesmas práticas que só permitirão a outras pessoas brancas ascenderem também.
E então, neste 2020, a empresa comandada pela mulher mais rica do Brasil, segundo a revista “Forbes”, anuncia uma ruptura com o pacto narcísico da branquitude. O programa de trainee da Magazine Luiza será voltado exclusivamente a pessoas negras. “Um passo importante para consolidarmos a diversidade na empresa”, publicou Luiza Helena Trajano em seu perfil no Twitter. Frederico Trajano, CEO da empresa e filho de Luiza, publicou um artigo em que explica a decisão: “Atualmente, apenas 16% dos representantes da liderança da empresa são negros. No comitê executivo, do qual faço parte, não há nenhum (…) Para uma empresa que prega o valor das pessoas e da diversidade e que celebra todos os dias o Brasil, um país multirracial, seria uma hipocrisia fechar os olhos e assumir que não há alguma coisa errada. É claro que há.”
Depois da constatação, é necessário agir. E diferentemente dos antirracistas que paralisam na constatação do problema, a Magazine Luiza, reconhecida por sua eficiência, alterou o programa que, segundo o CEO da empresa, leva mais rapidamente para cargos de liderança de modo objetivo: seleção exclusiva para negras e negros para resultar na contratação de negras e negros com o objetivo de que se desenvolvam para posições de liderança. Pragmatismo que as empresas costumam valorizar.