Teresa não conhecia a textura do próprio cabelo. Desde seus oito anos tinha seu crespo alisado na base de amônia. Todas as mulheres na sua família alisavam o cabelo, então ela sentia que o crespo era errado. Ao mais vago sinal de ondulação na raiz, sua autoestima diminuía. Até que não aguentou mais as queimaduras no couro cabeludo e a ditadura da chapinha e tentou uma transição capilar para deixá-lo natural de novo. Às vésperas de sua formatura na graduação, lutando para se afirmar com o crespo natural, uma tia lhe perguntou por que ela havia feito isso, por que não havia alisado? Mais uma vez, recorreu à química. Foi preciso buscar apoio de amigas e de outras mulheres negras que publicavam conteúdo sobe transição capilar para tentar uma segunda vez que, felizmente, deu certo. Ao terminar a transição, a satisfação consigo mesma foi tão grande que ela sentiu a nova segurança verter em todas as áreas da sua vida: tinha vontade de sair de casa, conseguia retribuir olhares interessados em festas, reconheceu sua competência no trabalho… Por isso ela criou o Bonita Também, um projeto colaborativo que usa as mídias sociais para divulgar depoimentos de mulheres sobre beleza com o objetivo de empoderar mulheres resgatando sua autoestima.
Do Think Olga
“O importante de você se aceitar é que você relaxa, você fica mais feliz e ganha segurança. Eu quando alisava o cabelo não podia deixar um centímetro de raiz que tinha que correr para alisar, não podia ir pra festa porque estava com duas texturas de cabelo, não gostava do formato do meu rosto, não fazia nenhuma selfie, não encarava a câmera de frente, não gostava de olhar para os caras, não gostava de ir a festas, não me sentia adequada no emprego, tinha problema de falar em público… E depois que eu me assumi como eu sou ganhei segurança em todas as áreas da vida”, conta Teresa Rocha, criadora do Bonita Também. Tudo por causa de um cabelo? Sim. A importância da visão sobre a própria aparência pode parecer algo de menor importância, mas pesquisas indicam que o efeito de uma baixa autoestima é muito mais grave do que parece. De acordo com o estudo Dove: A real verdade sobre a beleza, 9 em cada 10 meninas gostariam de mudar algo na própria aparência, 6 em cada 10 se preocupam tanto com isso que preferem deixar de realizar atividades importantes quando não estão confiantes o bastante com sua aparência e apenas 4% das mulheres de todo o mundo se acham bonitas.
Outras pesquisas indicam que 80% das mulheres se sentem infelizes com o reflexo no espelho e mais da metade tem uma visão distorcida de si mesmas, achando que vestem um número maior que o seu, por exemplo. Entre os efeitos físicos e psicólogicos da baixa autoestima estão dores musculares ou de cabeça, problemas gastrointestinais, angústia, ansiedade, depressão e conflitos interpessoais, segundo uma pesquisa da ISMA-BR apresentada no Congresso Europeu de Terapia Cognitivo-Comportamental em 2012.
A plataforma é composta por um Tumblr e uma página no Facebook, ambos recheados de relatos e reflexões de mulheres sobre beleza e autoestima. Qualquer pessoa pode enviar seu texto pelo e-mail [email protected] e as mensagens postadas ficam disponívels para receber comentários positivos e de incentivo, criando uma rede de apoio e acolhimento. Teresa acredita que uma mensagem positiva no momento certo pode mudar completamente a visão de alguém sobre si mesma. Um exemplo disso foi a reação de uma mulher carioca a um post do Bonita Também sobre Lea Michele, a atriz da série Glee conhecida por ter um nariz considerado grande segundo padrões de beleza mais tradicionais. “Ela me disse que nunca tinha achado a Lea bonita e consequentemente nunca tinha se achado bonita porque as duas se parecem, com o nariz grande. Ela passou a vida toda rejeitando o nariz e juntando dinheiro pra fazer rinoplastia, até que um dia na manhã da cirurgia ela desistiu. Isso me marcou muito”, conta Teresa.
Justamente pela vontade de acolher todas as mulheres que enfrentam problemas de autoestima, Teresa decidiu não falar só da questão de negritude e beleza, mas de todas as mulheres, sejam elas gordas, trans, negras, com deficiência… Todas são bem-vindas. Obviamente, isso não a impede de reconhecer a singularidade da vivência das mulheres negras, que também enfrentam o racismo. “Quando uma mulher negra assume a ancestralidade dela, a forma como ela é, ela está indiretamente e às vezes diretamente combatendo o racismo, ela está dando apoio a outra mulher que pode se inspirar e se assumir da mesma forma. É uma afirmação política”, diz.
Agora, o Bonita Também está em campanha de crowdfunding para virar uma websérie de cinco episódios contando histórias reais de mulheres diversas sobre beleza e empoderamento. “Temos muito conteúdo na mídia tradicional que não corresponde à nossa realidade, nossa diversidade. A maioria das coisas que a gente assiste é o que forma nosso repertório, o que constrói o nosso gosto e gosto é uma construção social. A websérie é importante para fazer um conteúdo diversificado para gerar referência para mais pessoas”, afirma Teresa. A campanha faz parte do projeto Mulheres de Impacto do Benfeitoria, em parceria com a Think Olga e a ONU Mulheres Brasil. Se gostou da ideia, você tem 45 dias para apoiá-la a partir desta segunda-feira.