As educações que ensinam o racismo
por Ricardo Alexandre Correa no Carta Capital
“Eu vejo o racismo como uma metástase que tomou todo corpo brasileiro”
Elisa Lucinda
Diferente do que preconiza o senso comum “educação se aprende em casa”, precisamos ir um pouco além. Pois, seja para oferecer conhecimentos históricos, científicos, ou entretenimentos que carregam alguma particular visão de mundo, a educação está presente em quase todos os ambientes.
Nesse sentido, e, considerando as ideias do educador Paulo Freire, algumas questões têm causado preocupação. Oras, se a função da educação é levar consciência aos que não têm consciência, alguma coisa está errada, porque vivemos num país onde o racismo está estruturando as relações sociais. Daí que surge o centro da preocupação: Qual a consciência que está sendo levada aos sujeitos?
A educação apresenta classificações de acordo com o ambiente em que está sendo ofertada, quando acontece nas instituições de ensino tradicional, como escolas e universidades, recebe o nome de educação formal; caso ocorra nas relações/atividades do cotidiano, educação informal. Neste caso, existem vários exemplos: no transporte público, no ambiente familiar, assistindo a noticiários, numa roda de amigos, acompanhando youtubers e blogueiros nas redes sociais etc.
Há outras categorias, mas, independente de qual educação sempre estaremos sujeitos às concepções que orientam para o preconceito e discriminação. Decerto que a educação pode apresentar essa face perversa dependendo de quem a oferece e/ou organiza, e deste ponto de vista, compreendo que o racismo é resultado das nossas educações; que não são poucas, claro.
O racismo tem operado no arranjo marginal dos indivíduos negros, e, apesar de notória essa realidade, a classe dominante insiste em esconder-se sob o discurso da democracia racial. Mas, o discurso não encontra justificativas plausíveis para explicar o porquê dos homens negros e mulheres negras serem os mais assassinados no país. Em 2016, a taxa de homicídios de homens negros foi duas vezes e meia superior que a dos homens “não-negros”; no mesmo período, o aumento de homicídios de mulheres negras foi 71% superior que a de “não-negras”.(1)
As escolas ainda resistem em debater as questões raciais — no entanto, crianças e jovens negros sofrem com o racismo dos “colegas” nesse espaço —, além disso, o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira não é uma realidade na maioria das instituições de ensino básico, mesmo sendo obrigatório de acordo com a lei 10.639/03. (2)
Por outro lado, os conhecimentos eurocêntricos são elevados e colocam o homem branco, hétero e cristão como paradigma sublime. Isso acaba sendo um aniquilamento na construção da identidade dos negros, tanto que o manifesto do Movimento Negro (1995) deixou claro o papel da escola “Num pais cujos donos do poder descendem de escravizadores, a influência nefasta da escola se traduz não apenas na legitimação da situação de inferioridade dos negros, como também na permanente recriação e justificação de atitudes e comportamentos racistas”. O absurdo é que esse manifesto foi apresentado há um pouco mais de duas décadas, e continua retratando fielmente a atualidade.
Na educação informal, a estigmatização e os estereótipos negativos — como instrumentos do racismo — são abundantes, e desenvolvem percepções em que os negros são desprovidos da própria individualidade. A intelectual Edith Pizza, nesse sentido, esclarece “[…] o racismo é o caso extremo em que cada pessoa é julgada, percebida, vivida, como representante de uma sequência de outras pessoas ou de uma coletividade”.
Em programas televisivos, os negros são apresentados como animalescos, malandros, bêbados, subalternos etc.; nas redes sociais, youtubers e blogueiros preocupados em conquistar seguidores, explicitam repugnantes pensamentos racistas revestidos de “piadas” e “brincadeiras”; jornais e revistas, comumente, publicam artigos com conteúdos preconceituosos. Essas educações são preocupantes, afinal, o público atingido é amplo e a reprodução do que apreendem acaba se potencializando.
Notamos que o combate ao racismo tornou-se muito mais complexo. Pois falamos de “educações” e a construção de consciência que leve as pessoas a respeitarem as pessoas negras e toda a diversidade encontra múltiplos obstáculos, principalmente, institucionais; a formação do povo brasileiro foi alicerçada nos quase 400 anos de escravidão dos homens e mulheres africanos e afro-brasileiros, isso tem um peso fundamental no racismo presente.
Diluir o pensamento que construiu a subjugação desses povos realmente não é tarefa simples, mas vamos sentar e deixar as mazelas continuarem atingindo exclusivamente os negros? Jamais! Nelson Mandela tem uma frase inspiradora “Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele ou por sua origem, ou sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender.” Ou seja, podemos desconstruir o racimo a partir da educação, essa mesma que ensina para o racismo.
Portanto, as instituições escolares são espaços fundamentais para o processo de mudança, mas precisam reelaborar os conteúdos e atividades para que contenham as questões raciais, e, principalmente, não negligenciarem a lei 10.639/03. Afinal, os alunos das instituições escolares são os mesmos participantes dos espaços de educação informal, e poderão ser os agentes da mudança. E a nossa vigilância quanto às ocorrências de racismo são imprescindíveis, as denúncias devem sempre acontecer quando identificado tal conteúdo; ainda, os movimentos negros devem continuar elaborando, e cobrando, projetos políticos que tenham a educação — formal e informal — como instrumento de luta.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FERNANDES, Viviane Barboza; SOUZA, Maria Cecilia Cortez Christiano de. Identidade Negra entre exclusão e liberdade. Rev. Inst. Estud. Bras., São Paulo , n. 63, p. 103-120, Abril. 2016
GADOTTI, Moacir. Educação Popular, Educação Social, Educação Comunitária: conceitos e práticas diversas, cimentadas por uma causa comum. Revista Diálogos: pesquisa em extensão universitária. IV Congresso Internacional de Pedagogia Social: domínio epistemológico, Brasília, v.18, n.1, dez, 2012, p. 10-32.
MARCHA ZUMBI DOS PALMARES CONTRA O RACISMO PELA CIDADANIA E A VIDA. Por uma política nacional de combate ao racismo e à desigualdade racial. Brasília: Cultura Gráfica e Editora, 1996.
NASCIMENTO. Abdias. O Genocídio do negro brasileiro – processo de um racismo mascarado. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1978.
Notas:
1. Atlas da Violência 2018 realizado pelo IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Acesso em: Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/relatorio_institucional/180604_ atlas_da_violencia_2018.pdf> . Acesso: 20 jul. 2018
2. BRASIL. Presidência da República. Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, e dá outras providências.