O reality show Big Brother Brasil ao mobilizar mais de 1,5 bilhão de votos demonstrou que tem ocupado parcela significativa dos brasileiros, principalmente os respeitosos do isolamento social que tem passado mais tempo do que nunca nas suas casas. Junto ao BBB emergem uma miscelânea de debates, questões que há muito tempo têm fragmentado e rivalizado grupos de brasileiros. Problemas antigos e derrotas recentes renasceram nos enfrentamentos que a casa mobilizara. Um deles, o racismo.
Por Diego Lino Silva, enviado para o Portal Geledés
O personagem Babu Santana se tornou o principal expoente das tensões promovidas pela carga semântica que caracterizações cromáticas, fenotípicas e comportamentais dispõem. Mas há outra negra ali, não esquecida da melanina que carrega, mas diferentemente abordada nos entreveros raciais que a casa autorizou que o Brasil observasse. Tanto as reações fora da casa, quanto às decisões da sister me levaram a tentar rabiscar explicações para o racismo que a médica experimenta, pois vez ou outra, ele parece muito distinto dos embates protagonizados pelo ator.
Talvez devesse lembrar que Thelma é mulher. As estereotipias sobre o medo que tornam corpos negros assustadores poucas vezes são possíveis a mulheres, o que não faz dela privilegiada racialmente. Por isso Thelma pode ser mais interpelada, interrompida, deslegitimada, violentamente enfrentada e/ou agredida. Quando não são “protegidos” pelo medo que foi inscrito nos seus corpos, negros se tornam mais vulneráveis aos ataques de quem dispõe de outras armas, vez em quando mais perigosas que a força física.
Thelma é médica, letrada nas referências comportamentais que brancos estipularam. Por isso transita mais facilmente entre as “barbies” que costumeiramente habita(ra)m o BBB. E aí, talvez, esteja o principal fator de deciframento das relações raciais que envolvem a carioca. Ela domina os códigos comportamentais que autorizam, vez em quando, que alguns grupos negros negociem sua condição de inferioridade. Thelma é banhada de humanidade pelo diploma que detém, pelas convivências que os anos do curso de medicina trouxeram. Ensinaram o que e como falar, a ser harmoniosa pela necessidade de parecer fazer parte daquele mundo, para poder ingressar nele. Não se trata de erudição, pois isso Babu esbanja – diferente da classe média brasileira –. Mas de legitimidade, do poder dos diplomas.
É a mímica a necessidade de parecer ser, um dos caminhos frequentemente adotados por aqueles que transitam entre as condições raciais. A possibilidade de ascender, de se aproximar ao que os brancos têm, tornou-se um caminho de resistência de grupos negros que mobilizam uma série de mecanismos para sobreviver entre estratos privilegiados. Thelma é o arquétipo da boa negra porque detém o diploma de medicina e o arcabouço de códigos compartilhados entre donas de Iphones e de carros HB20 brancos. A boa negra parece ser o que não é (de todo): a Barbie. Vez em quando se confunde nisso, e confia nos recalques que a inscrevem nesses meios. Se aconchega ali.
O filme ‘Corra’, certeiramente lembrado pelos fãs, nos diz os riscos desse aconchego. Por isso deve-se perceber que Thelma não é vilã, ou traidora de qualquer causa. Relembra Homi Bhabha que a mímica é a estratégia mais ardilosa e eficaz do poder e do saber colonial. Thelma parece ser, mas não é. O que é demonstrado na posição que ela ocupa entre as preferências daquelas que ela chama de amigas. Acredita na mímica. Não percebe o que Babu, mais ligado nas artimanhas do racismo percebeu e disse: “ela cai sozinha!”. Cai sozinha porque confiou na teia de relações que a imagem inscrita pela mímica construiu, acreditou na identidade negociativa autorizada a alguns negros. Identidade vulnerável, pois, apesar de parecer ser, não é. Thelma é mais uma expressão do jogo da dissimulação, como descreveu Wlamyra, que é o racismo brasileiro. Complexo, multifacetado, cínico e, por isso, materializado em múltiplas contradições que negros e negras carrega(ra)m. É a nossa maldição.
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