“A sociedade não tem que saber como vota um ministro da Suprema Corte”, disse o presidente Lula na terça-feira (5). A defesa do voto sigiloso pelo presidente é inconstitucional (viola a regra de que atos judiciais sejam públicos), enviesada (responde de forma distorcida a críticas ao seu recém-nomeado) e mal colocada (não há clima institucional). Dito isso, tem caroço nesse angu, para usar expressão de origem escravocrata para falar de uma corte branca e quase integralmente masculina.
O que interessa ao debate é o que Lula não disse sobre a transparência no STF, ou a falta dela. É bem menos sexy discutir as porcas e os parafusos na corte; engrenagens, aliás, que no bom alemão do ministro Gilmar Mendes são “eine grosse Konfusion” (“uma grande confusão”). Não se deve confundir televisionamento (um ganho no acesso ao debate judicial) com transparência: como o STF não é um reality show, a transparência do tribunal está na clareza das teses jurídicas, não no número de cliques que possa propiciar, como nos ensinaram Hübner e Afonso já em 2009.
Arcaica, a forma como o plenário do STF vota é sequencial (ministro após ministro), bacharelesca (leitura por horas de opiniões) e, portanto, pouco tendente à construção de consensos, como afirma Virgílio Afonso, da USP, em “Decidir sem Deliberar”, de 2013. O poder absoluto da presidência da corte em decidir quando pautar um caso —o que faz com que temas relevantes como aborto sejam postergados— também é um desserviço à previsbilidade, como sustenta Eloisa Machado, da FGV, em “Os Donos do Supremo”, de 2019.
Comparar com os EUA tampouco ajuda. Diferentemente do que Dino defendeu, as decisões no Supremo americano são, geralmente, assinadas, e, mesmo sem TV Justiça, os debates orais são gravados e públicos. O próprio Supremo tem debatido reformas internas, como o fortalecimento do plenário; e as sessões têm se tornado mais interativas e dialogais. O fato de Lula estar errado, novamente, sobre o STF não embeleza a “grosse Konfusion” suprema.