Oya chorou: Saudações ao rito de passagem

Ao som de “Jesus Chorou” Racionais MC’s

Tudo que marca, que abre em nós fissuras, encruzilhadas, seja conquista ou derrota, dor ou alegria, requer cantiga e rito de passagem, seja pelas mãos das anciãs e anciãos, seja virando do avesso em nossos íntimos, e agindo à altura do que nos toca. 

Não é digno comer calada o choro da morte, da escassez, da traição, de um aborto, do cadáver de um amor que morreu de morte matada, do encontro luminoso que cede ao esgoto, esgotamento, bem no meio da crise.  No axé, fazemos ritual de passagem para que a morte de um pedaço nosso não nos mate. Nossos ancestrais se levantaram nas horas mais sublimes, e nas dores fulminantes para fazer ritual, rito de passagem, dignificar o início e o fim dos ciclos, para que as águas não sejam re-ssentidas. 

Bem resolvidões, isentões, dirão que é preciso ser adulto, engolir o choro. Ora, é parte do exercício de domínio que se diga cale a boca, engula o choro, seja “adulto”.  Não compro esse bilhete. Oya chorou! Ninguém viu lágrima, mas o mundo viu tempestade, transformação e rito. 

Santuário da Borboleta Monarca- México

Oya chorou, e fez por seus nove filhos a maior e mais fulminante das tempestades.  Quando Odé retornou ao Órun, Oya fez Axexê e hoje quando um dos nossos faz a passagem, é ao som dos tambores, 7 dias de reza e dança. Oya atravessou nove Oruns para buscar Xangô, que carrega em suas vestes essa marca. Oya deu tabuleiro e acará às mulheres para que se libertassem da pobreza. Aprendemos deixar passar em branco, ser adultos no mundo branco. Eu não como essa comida, esse fetiche.  Você come?

 É preciso dignificar o luto, a passagem, dar nome a dor, ao leso, para daí seguir de roupa branca e alma lavada, adultecidos na forja do Tempo. É preciso a mão ancestral da anciã, para reger passagens que rasgam a carne, o ancião que guarda a autoridade nos ossos, na vida vivida, ou a criança que a gente é morre no parto, ou na parte que precisa morrer, vai junto com a água da bacia, como dizem as parteiras. Quem come calado, deve saber que aquilo que não pode ser nomeado não pode ser curado.

Todo dia acontece de tudo na encruzilhada do mundo, mas esse é um Tempo singular, que exige rito de passagem para sustentar a lucidez, a saúde mental o brilho nos olhos, a fé na vida. Que a mão de Oya lhes seja generosa na travessia, nos estranhamentos do mundo como era, na passagem de uma estação par outra.

Oya é vibrante como as ruas do mercado, leveza e passagem, por que sendo axé de  lealdade, e tão séria, não deixa nada passar em branco.

 E você? Como tem passado? 

Ouça um pouco mais no link 

Mini bio 

Leandra Silva é Oloya. Das artes do corpo e palavra, dançarina que atua na criação e condução de processos artísticos a partir de singulares tecnologias ancestrais. É graduada em jornalismo pela UFBA.  Do mundo e da encruzilhada. @leandracomunica


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