Pesquisa atesta que mulheres quilombolas são mais hipertensas

Estudo da Faculdade de Nutrição aponta riscos de saúde relacionados à dieta habitual da população remanescente dos quilombos

por Manuella Soares – Jornalista Ascom/Ufal

Mesmo longe do caos urbano e dos problemas das cidades mais desenvolvidas, as comunidades quilombolas de Alagoas apresentam uma estatística que segue na contramão do que o Ministério da Saúde considera um dos fatores de risco para desenvolver a Hipertensão Arterial: o estresse. De acordo com a pesquisa do professor Haroldo Ferreira, da Faculdade de Nutrição (Fanut) da Universidade Federal de Alagoas, foi constatado que a hipertensão atinge três vezes mais as mulheres quilombolas do Estado do que as mulheres da população geral.

Os números estão associados, possivelmente, a fatores tais como dieta habitual não adequada, sequelas da desnutrição no início da vida, bem como a genética. Os indivíduos das 39 comunidades quilombolas estudadas sobrevivem, em sua maioria, da agricultura familiar, cultivando alimentos com a mão de obra no núcleo parental. Mesmo usufruindo desse sistema como meio de sobrevivência, a população se alimenta de maneira errada.

“Eles cultivam para vender, mas o consumo de frutas, legumes e verduras não faz parte do hábito alimentar dessa população”, comentou o professor Haroldo. Em relação ao consumo de frutas, especificamente, o pesquisador acredita que apenas 10% a 15% dos quilombolas ingerem algum tipo do alimento somente uma vez por semana. “Eles não aproveitam as frutas do próprio quintal, seja in natura ou como sucos, dando preferência à chamada “tubaína”, que é o refrigerante genérico, de custo inferior aos das marcas tradicionais”, concluiu Ferreira.

Para chegar a esses dados, a equipe do pesquisador, com apoio da Fundação de Amapro à Pesquisa de Alagoas (Fapeal) e do CNPq, aplicou questionários relacionados ao estado nutricional e às condições socioeconômicas, demográficas e de saúde. Foram cerca de 1.500 famílias que se reuniram nos centros de saúde dos municípios visitados ou por meio de visitas domiciliares. O objetivo era conhecer, entre outras variáveis, a composição corporal, o consumo alimentar habitual e as condições de saúde, especialmente, a prevalência de hipertensão arterial da população feminina de 18 a 60 anos de idade.

O professor explica que o que caracteriza um paciente hipertenso é quando a pressão sistólica é maior do que 140 mmHg e/ou a diastólica ultrapassa os 90 mmHg, ou ainda, quando faz uso de medicamento anti-hipertensivo. Além desse critério, eram também investigados os fatores de risco, como antecedentes familiares, hábitos alimentares não saudáveis, obesidade central (acúmulo de gordura no abdomen), entre outros. “A taxa de mortalidade nessa população pode ser bem maior porque tem dados que predispõem a isso”, concluiu Haroldo Ferreira.

Doença relacionada à alimentação

Segundo a Sociedade Brasileira de Hipertensão (SBH), a pressão alta é uma das doenças de maior prevalência no País. A SBH estima que haja 30 milhões de hipertensos no Brasil, ou seja, cerca de 30% da população adulta.

Níveis elevados de pressão arterial são facilitados por demasiada ingestão de sal, baixa ingestão de potássio, alta ingestão calórica e excessivo consumo de álcool. Os dois últimos fatores de risco são os que mais contribuem para o desenvolvimento de peso excessivo ou obesidade, que estão diretamente relacionados à elevação da pressão arterial.

A prevalência de hipertensão entre as mulheres quilombolas de Alagoas foi de 34,9% e esteve associada ao excesso de peso e à baixa estatura, um indicador de desnutrição no início da vida quando há restrição alimentar entre o período gestacional até os três primeiros anos de vida.

Segundo Ferreira, esse perfil, aliado a uma alimentação rica em gorduras e carboidratos refinados, pobre em fibras, vitaminas e minerais, predispõe o indivíduo à obesidade e às doenças a ela associadas, aumentando o risco de morte por enfermidades cardiovasculares. “No caso da população estudada verificou-se que a ingestão energética das obesas não era superior à ingestão recomendada com base nos parâmetros internacionalmente preconizados, o que indica que essas mulheres requerem menos energia para sobreviver e, dessa forma, ainda que consumindo uma quantidade não excessiva de alimentos, são capazes de engordar”, explicou.

Outras doenças nos quilombos

A pesquisa do grupo do professor da Fanut constatou altos índices de anemia nas crianças (52,7%). Embora a prevalência causada por fator genético, como a Anemia Falciforme, seja mais comum em comunidades quilombolas em virtude da alta frequência de casamentos entre indivíduos com algum grau de parentesco, a maior parte desses casos é devido a um consumo inadequado de ferro, caracterizando a anemia ferropriva.

Em toda rede básica de saúde do País e de Alagoas existe o Programa Nacional de Suplementação de Ferro, que distribui sulfato ferroso para crianças e gestantes visando a prevenir a anemia. Contudo, a adesão à prescrição por parte da mãe não é satisfatória, sendo esta, segundo o pesquisador, a maior dificuldade para o êxito do Programa.

“É preciso um investimento pesado na capacitação dos recursos humanos da saúde, sobretudo, dos agentes de saúde, para que possam atuar de forma mais eficiente não só na distribuição do suplemento, mas na orientação sobre sua adequada utilização, bem como a adoção de hábitos alimentares promotores de saúde”, ressalta. “Muitas vezes o tratamento é interrompido porque na 1ª dose pode ocorrer diarreia, e isso acaba fazendo a mãe desistir do tratamento do filho”, concluiu.

Assim como na população geral de Alagoas, a obesidade também está se destacando nas estatísticas das comunidades quilombolas. O problema atinge 7,1% das crianças e 50,1% das mulheres.

 

Fonte: Alagoas na Net

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