Por Douglas Belchior

Tenho plena consciência de que represento uma exceção. Ainda que miscigenado (fosse a pele retinta, bem sei que a vida reservaria ainda mais dificuldades), como homem negro, estudei. Alcancei o banco de uma universidade reconhecida, a PUC-SP, onde me formei em História e alcei o desvalorizado, mas nem por isso menos nobre, status de professor. Trabalhador da rede pública estadual de São Paulo, nada convidativo financeiramente, mas ainda assim, digno.
Conciliar profissão a militância política foi uma opção consciente – outro privilégio para poucos. Trabalho, ganho a vida e pago minhas contas fazendo o que amo: educação, logo, política. A vida que escolhi me levou a pessoas incríveis: lideres políticos, intelectuais, atletas e artistas. Me levou a lugares impensáveis: salas acarpetadas de governos, viagens para debates, palestras e atividades políticas das mais diversas em quase todos os estados brasileiros e fora do país. Em todos esses espaços, tanto em momentos de conflito com adversários, quanto em momentos de elaboração e confraternização com os meus da “esquerda”, uma coisa nunca mudou: sou um homem negro. E como um negro num país estruturalmente racista, sempre soube que o tratamento gentil e tolerante a mim dispensado sempre esteve condicionado a que eu soubesse o meu lugar e que não me atrevesse a sair dele.
Fui candidato a deputado federal nas eleições de 2014 e a vereador na cidade de SP, nas eleições de 2016. Alcancei votações que me garantiram suplência nas duas oportunidades. Como liderança política do diverso e confuso movimento negro brasileiro, me dediquei ao enfrentamento ao racismo, à denúncia do genocídio negro e à luta por direitos sociais para o povo negro, sobretudo no que diz respeito à educação e aos direitos humanos, temas em que atuo com mais profundidade. Ainda assim, sempre enfrentei olhares desconfiados, posturas desencorajadoras e a impressão de eterna dúvida quanto à minha capacidade política ou profissional. Quanto mais exposto aos olhares públicos, mais essa impressão aumenta. E agora finalmente transpareceu, verbalizada, em uma destas conversas de internet, na última semana:
“A política não e lugar pra preto vagabundo feito você!”
Não vou repetir aqui os argumentos já publicados textos anteriores aqui no Blog, ambos subscritos também pelo amigo jornalista Jorge Américo, cujos títulos são auto explicativos: “Periferia, a dama mais cortejada da cidade” e “O que as urnas revelam sobre o racismo nosso de cada dia”. Sugiro a todos que os leiam. Um fato, no entanto, é inquestionável: negros não são tolerados na política, senão como serviçais, cabos eleitorais ou, no máximo, assistentes. No campo da esquerda isso não muda. E se for mulher é ainda mais difícil. Só que desta vez consegui reverter o efeito desestimulante. Diante da cultura racista dominante na ocupação dos espaços do poder político, dou aqui a minha resposta:

“Vamos enfrentar, vamos disputar e vamos vencer! Lugar de preto é onde ele quiser – inclusive na política!”
A vida do nosso povo mais sofrido, em sua maioria população negra, tende a piorar nos próximos anos. A situação política é grave. Vivemos tempos de golpe. Tempos de acordos espúrios entre parlamento, executivo, judiciário, grupos empresariais e grande mídia, tudo em nome da manutenção de privilégios de uma elite atrasada e mesquinha, que não tem nenhuma preocupação ou responsabilidade com o país e o povo que o constrói. Em nome da ganância colonialista, destrói-se a ainda frágil democracia, depõe-se uma presidenta sem motivos suficientes e se aprisiona o maior líder popular da historia do país para que este não dispute – e vença – as eleições. Pior, a prática da criminalização da política e dos direitos humanos, fez ascender um sentimento fascista, fez despertar e generalizar um ódio que se personifica na figura de um irresponsável que professa horrores e, ainda assim, segue como preferido em pesquisas eleitorais presidenciais.
No último final de semana, sob o comando das mulheres, milhares de pessoas ocuparam as ruas para reagir ao fascismo. A proporção inédita das manifestações com caráter progressista nos enche de esperança. Mas o futuro é incerto. O fascismo transborda em cada esquina! Precisamos estar unidos para derrotar Bolsonaro. A ameaça é maior: o pensamento fascista, machista, homofóbico e violentamente racista cresceu e pode eleger uma maioria esmagadora na Câmara e no Senado.
E foi justamente por esse motivo que aceitei, uma vez mais, a tarefa de encampar a candidatura para deputado federal nestas eleições, apoiado por um segmento importante do movimento negro e periférico de SP. Vocês não tem ideia de como é doído ser julgado diariamente nas ruas. É o permanente desafio de convencer pessoas que você nunca viu a darem um voto de confiança. A parte boa é olhar para o lado e ver o tamanho do coletivo que constrói essa campanha e construirá esse mandato. Ver que quando essa candidatura recebe um voto, ele não é meu, mas sim fruto do trabalho e da construção de muita gente que vem antes de mim. Precisamos eleger levar à Brasília mandatos orgânicos de movimentos populares, no meu caso, do movimento negro, com coragem e compromisso com o povo negro e periférico.
Vai ter preto da política e no poder, sim!