Por que a 1ª medalha de ouro de uma nadadora negra é importante

Recordes são feitos para serem quebrados, diz um dos mais conhecidos clichês do esporte – e isso deverá ocorrer em algum momento com o tempo conquistado pela nadadora Simone Manuel na final dos 100 metros livre. Mas seu outro feito inédito não será superado.

Da BBC

Manuel tornou-se a primeira nadadora negra a ganhar uma medalha de ouro na história dos Jogos Olímpicos. E disse esperar que sua vitória leve a uma maior diversidade no esporte.

“Essa medalha não é só para mim, mas para todos os afro-americanos que vieram antes e serviram de inspiração”, afirmou. “Espero inspirar outras pessoas. A medalha é para quem vier depois de mim no esporte.”

Entenda por que a vitória de Simone Manuel é tão significativa.

As piscinas foram um território proibido para negros americanos por gerações

As piscinas são há muito tempo um ponto especialmente sensível da questão racial nos Estados Unidos.

Afro-americanos não podiam entrar nelas quando a segregação ainda era praticada, e, mesmo depois de ela ser abolida, brancos encontraram outras formas de mantê-los excluídos.

Construir piscinas em áreas de população predominantemente negra, por exemplo, não tem sido uma prioridade.

Jeff Wiltse, no seu livro Águas Contestadas: a História Social das Piscinas na América, argumenta que o incômodo dos brancos ao entrar em contato com negros levou a essa lacuna histórica na integração racial das piscinas americanas.

Pais que não nadam não costumam iniciar seus filhos no esporte, e o legado atual disso é um número desproporcional de crianças negras que não sabem nadar – a federação americana de natação estima o índice em 70%.

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Tuíte diz: ‘Isso é por todas as crianças negras que foram expulsas de piscinas e por todas a piscinas que foram esvaziadas depois que crianças negras entraram na água. Simone Manuel’

Ter aulas de natação não é obrigatório nos Estados Unidos, algo que a federação quer mudar.

Mas, apesar de tudo isso, exceções podem surgir.

Por exemplo: a mãe de Cullen Jones, o primeiro negro a ser detentor de um recorde mundial de natação e medalhista de ouro nos Jogos de Pequim, levou o atleta para ter suas primeiras aulas após ele quase se afogar em um parque de diversões quando tinha 5 anos.

Aos 8, ele já competia. Em 2008, fez parte da equipe americana que venceu a final dos 4×100 metros livre.

Levou um longo tempo para chegarmos até o ponto atual

Ainda hoje, ver um negro vencer uma prova de natação é algo raro.

O holandês Enith Brigitha tornou-se o primeiro nadador negro a ganhar uma medalha olímpica ao chegar em terceiro nos 100 metros livre em Montreal, em 1976, perdendo para dois atletas que depois foram flagrados em exames antidoping, segundo o Hall Internacional da Fama da Natação.

O próximo feito viria só em 1988, nos Jogos de Seul, quando Anthony Nesty, do Suriname, tornou-se o primeiro homem descendente de africanos a ganhar o ouro na natação.

Um rol bem pequeno de negros já representou os Estados Unidos: Anthony Ervin foi o primeiro, em Sydney, em 2000, enquanto em Atenas, quatro anos depois, Maritza Correia foi a primeira negra medalhista. Lia Neal também já ganhou medalhas.

Manuel citou Jones, Neal e Correia como pioneiros nas entrevistas concedidas após sua vitória.

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O campeão olímpico Cullen Jones declarou no Twitter estar muito orgulhoso do feito de sua compatriota

Ainda falta diversidade na natação

Por que só agora tivemos uma campeã de natação negra? Por uma série de fatores.

Especialmente em países em desenvolvimento, ter acesso a instalações de boa qualidade ou até mesmo básicas para praticar o esporte ainda é difícil.

A falta de negros entre os atletas de elite faz com que menos negros se iniciem nas bases da natação. Sem exemplos a serem seguidos, pode haver a impressão entre potenciais nadadores negros de que “isso não é para mim”.

E há a questão espinhosa da talento versus estímulo entre os atletas.

O estereótipo grosseiro, de que o biotipo de negros torna mais difícil sua flutuação na água, já foi desmentido, mas ainda hoje alguns esportes são vistos como “especialidades” de algumas raças.

Essas percepções estão profundamente enraizadas culturalmente, mas pioneiros como Manuel pode ajudar a alterá-las.

Quero vencer como qualquer outra pessoa

Em outra situação, as discussões após a disputa seriam sobre a prova em si, que foi eletrizante. Manuel dividiu o ouro e o recorde olímpico com a adversária canadense Penny Oleksiak, de 16 anos.

Em entrevistas após a final, Manuel disse esperar que um dia que as atenções estejam voltadas para o desempenho esportivo e não para a etnia do atleta.

“Espero que, no futuro, haja mais de nós e não apenas a ‘Simone, a nadadora negra'”, disse ela.

“O título ‘nadadora negra’ faz parecer que eu não deveria ser capaz de ganhar uma medalha de ouro ou quebrar recordes, e isso não é verdade, porque trabalhei tão duro quanto todo mundo. Quero vencer como qualquer outra pessoa.”

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