Primeiro debate de Geledés da Cúpula do Futuro discute a violência contra afrodescendentes

Artigo produzido por Redação de Geledés

Mesa redonda sobre as futuras gerações contou com a presença de especialistas internacionais e nacionais na temática

Em colaboração com a Cúpula do Futuro, Geledés começou nesta quarta-feira, 27, uma série de mesas redondas para enfrentar o racismo no mundo. A primeira mesa teve o objetivo de explorar um futuro livre de violência contra as comunidades afrodescendentes, em particular os jovens, alinhando-se ao tema central do summit. 

Geledés tem se envolvido ativamente em iniciativas internacionais no combate à invisibilidade vivenciada por afrodescendentes e reconhece que as crises que afetam a agenda de direitos não são neutras, especialmente em relação à raça e gênero, apontou a socióloga e assessora internacional de Geledés, Leticia Leobet.

Leticia Leobet – Geledés na ONU – Foto Natália Carneiro

“À medida que enfrentamos desafios complexos que afetam gerações presentes e futuras, sentimos o peso de fortalecer nossa cooperação internacional. A Cúpula do Futuro em 2024 não é apenas uma oportunidade, mas, sim, uma missão crucial para garantir que nossas ações pavimentem o caminho para um amanhã melhor, inspirado nos valores fundamentais da Carta das Nações Unidas e na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Neste contexto, Geledés tem sido uma voz ativa na defesa das mulheres e pessoas afrodescendentes em todo o mundo, consciente dos obstáculos impostos pelo racismo e sexismo”, disse ela.

A mediadora do debate e coordenadora de Geledés, Maria Sylvia de Oliveira, apresentou os painelistas dizendo que a dedicação da organização às iniciativas internacionais é um reflexo tangível do compromisso em combater a invisibilidade enfrentada por essas comunidades. 

Maria Sylvia – Geledés na ONU – Foto Natália Carneiro

A primeira a falar foi a norte-americana Tracie Kessie, uma das especialistas do EMLER (mecanismo da ONU de promoção da justiça racial e a igualdade na aplicação da lei) e cofundadora e presidente do Centro de Operações de Equidade na Polícia, onde lidera iniciativas para promover a transparência e a responsabilidade policial nos Estados Unidos. Kessie também trabalhou no Departamento de Polícia de Nova York, onde difundiu novas práticas de treinamento de equidade e inclusão para essa corporação. 

Além de sublinhar a relevância de as comunidades afrodescendentes terem acesso às necessidades básicas como direitos fundamentais, ela discorreu sobre a definição usual do conceito de segurança pública. Segundo Kessie, “segurança pública é geralmente definida por outras pessoas que por vezes não moram nas comunidades e não têm experimentado o nível de violência que acontece dentro delas”.

Para a estudiosa, o assassinato pela polícia do norte-americano George Floyd, em 2020, não foi uma surpresa aos afrodescendentes de seu país, mas o fato novo foi a repercussão mundial do caso. “Esses incidentes que acontecem nos Estados Unidos e no mundo se referem a um corpo que deve ser mantido em controle”, disse ela. Neste contexto, ela sublinhou a necessidade de investimentos que vão além da aplicação da lei, atendendo a promoção das comunidades afrodescendentes em todas as áreas necessárias, da Educação à Saúde pública.

A segunda painelista foi Almaz Teffera da ONG Human Rights Watch. Teffera é uma pesquisadora na área de implicações dos Direitos Humanos do Racismo e da Discriminação com base na identidade racial, étnica e religiosa na União Europeia (UE) e Reino Unido. Ela também já trabalhou, entre outras organizações, na Anistia Internacional.

A ativista abriu sua explanação com dados de pesquisa divulgada em outubro passado sobre experiências de racismo e discriminação na União Europeia, em que 45% dos entrevistados europeus se manifestaram passar por situações de racismo. Entre as críticas de Teffara às nações europeias está a ausência de políticas públicas que enderecem essa realidade racista na Europa. “Não é uma política prioritária”, disse ela. “Casos de racismo são tratados de uma forma individual e é um problema institucional. Quantos casos individuais são necessários para se constatar que há um racismo estrutural?”, indagou ela.

Neste contexto, a ativista destacou a necessidade de os partidos democráticos do continente europeu atacarem esse problema, dizendo que os governos estão longe de combater o racismo estrutural em seus países. “Quando o racismo é discutido, é debatido por brancos. Falta representatividade”, afirmou. Entre as boas iniciativas citadas por Teffara, após o assassinato de Floyd, está um plano em andamento no parlamento europeu para mapear os casos de racismo no continente.

O terceiro painelista conferiu ao debate uma maior aproximação do racismo vivido por um jovem negro nas comunidades periféricas brasileiras. O deputado estadual e jurista Renato de Almeida Freitas Jr. relatou sua infância marcada pela violência racial nas cidades dormitórios ao redor de Curitiba, onde a maioria não é negra e sim descendente de imigrantes europeus. “Isso faz com que habitamos espaços hostis, mesmo dentro dos espaços periféricos”, pontuou ele. “A escola me falou que eu era feio, marginal e que meu lugar era no fundo da sala”, disse ele.

Freitas contou que em sua juventude foi o Hip-Hop que direcionou seu momento de revolta, levando-o a seu primeiro discernimento político. Contou ainda que o xadrez possibilitou que fosse reconhecido por suas habilidades de raciocínio lógico ao vencer campeonatos. Além de Ciências Sociais, ele cursou Direito e se dedicou a estudar o grande encarceramento da juventude negra. “Todo o Estado moderno tem o monopólio da violência das armas, do Exército, da polícia. E esse monopólio da violência é exercido, no caso do Brasil, por um Exército que mais matou civis, ou seja brasileiros, em seu próprio território”, disse ele.

Freitas ainda sublinhou que o Brasil, o último país a abolir a escravidão no mundo, é um dos piores em concentração de renda e com as piores taxas de mobilidade social, sendo necessárias nove gerações para que a pessoa saia da extrema miséria apenas para a miséria ou pobreza. “Em país tão desigual que não oportuniza e não oferece oportunidade de ascensão social digna, é claro que vai ter que controlar essas massas empobrecidas, especialmente a população negra, que foi alforriada e não teve nenhuma reforma agrária, nenhuma casa para chamar de sua, nenhuma terra, e que a existência nas cidades é punida pelo crime de vadiagem. É claro que essa população será controlada pela violência, uma violência absolutamente rigorosa, criando inclusive campos de extermínio”, concluiu o parlamentar. 

Como dito aqui anteriormente, as discussões trazidas nesta primeira mesa redonda fazem parte de uma sequência de debates relacionados à Cúpula do Futuro que vão até agosto deste ano.

Acesse aqui abaixo o vídeo integral deste primeiro encontro.

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