Racismo ambiental: o que é importante saber sobre o assunto

Em sua nova coluna, a ativista Stephanie Ribeiro fala sobre o conceito de racismo ambiental e como é importante que a população negra se preocupe com os impactos da ação humana no meio ambiente: “Pensar sobre racismo ambiental é importante para considerar tantas questões antes de achar que pautas de meio ambiente são ‘coisa de branco’. Crianças negras levam tiro da polícia, sim. Assim como morrem de toxoplasmose em áreas insalubres, contaminadas em áreas que são lixões industriais e vão morrer ainda mais nas secas, fome e processos de imigração.”

Desde que o meio ambiente e Greta Thunberg ganharam notoriedade nas manchetes, muitas pessoas estão usando a pauta racial para desvalidar a pauta ambiental, por isso nesse texto vou tratar sobre racismo ambiental, e mostrar como as coisas se relacionam. Afinal, mesmo que há anos ativistas negros venham mostrando como as pautas de gênero, classe e raça afetam toda a estrutura em que estamos inseridos, ainda é complexo entender como isso se dá associado ao meio ambiente. Então, o que é racismo ambiental?

É um termo cunhado por uma pessoa negra, para que ninguém tenha dúvidas da importância de sua origem na luta racial, no caso pelo Dr. Benjamin Franklin Chavis Jr. Ele, que é um líder negro pelos direitos civis, chegando em sua juventude a ser assistente de Martin Luther King Jr., no ano de 1981 cunhou o termo a partir de suas investigações e pesquisas entre a relação de resíduos tóxicos e a população negra norte-americana.

Segundo sua própria fala,”racismo ambiental é a discriminação racial no direcionamento deliberado de comunidades étnicas e minoritárias para exposição a locais e instalações de resíduos tóxicos e perigosos, juntamente com a exclusão sistemática de minorias na formulação, aplicação e remediação de políticas ambientais.”

Vamos entender que existe toda uma lógica de poder na escolha de áreas que serão exploradas e como essas áreas serão exploradas, danificando a vida e saúde de povos marcados por sua identidade racial, como negros, indígenas, latinos e asiáticos. Dado que o conceito se ampliou em seu entendimento sobre afetados, mesmo que tenha surgido com um homem negro focado nas questões envolvendo a comunidade negra norte-americana, hoje o conceito e suas aplicações são mais diversas, inclusive no que diz respeito à identidade racial das vítimas, como explica o texto de Maíra Mathias O que é racismo ambiental.

Outro ponto trazido das discussões sobre o tema é a ausência de negros ou outras identidades raciais que não a branca – e masculina e burguesa em grupos de discussão de ambientalistas, nos comitês, nas comissões, nos espaços de disputa de discussão da temática ambiental. Não há dúvidas que existam pessoas capacitadas para isso, contudo, muitas vezes seu conhecimento é colocado na chave da vivência e apenas isso. É preciso ampliar essa visão, inclusive com compreensão sobre a origem do termo “racismo ambiental” e como ele abriu margens para várias discussões ambientais atuais. E nisso entramos nas discussões que hoje circulam nas redes nas grandes mídias: afinal, o que está acontecendo atualmente, que faz com que a pauta ambiental esteja sendo tão comentada?

Inúmeros cientistas sérios estão alertando para uma série de mudanças climáticas com impactos diretos na vida e sobrevivência humana, o que chamam de colapso climático e que são frutos do superaquecimento do planeta pelas ações humanas de imprudente devastação e exploração. Algumas das possíveis consequências segundo esse artigo são:

• Ondas de calor pelo mundo;
• Secas e incêndios;
• Ciclones devastadores e simultâneos;
• Chuvas e enchentes;
• Um milhão de espécies em risco de extinção.

Considerando todas essas implicações previstas por uma série de especialistas de universidades renomadas, de diferentes países e até da própria ONU, estaremos num colapso também social. É importante ressaltar que são perspectivas de futuro que, se você não pesquisa esse tema, não pode colocar juízo de valor sobre sua importância/veracidade, estamos falando de dados e não do que achamos. Eu realmente gostaria de achar que tudo seria lindo e melhor, contudo não é isso que alertam para o nosso futuro próximo. E é diante disso que especialistas da ONU já usam termos como:

Apartheid climático: Imaginando uma realidade escassa, seca, cheia de conflitos, ausência de comida e com muito calor, as regiões do planeta serão diferentemente afetadas conforme sua posição física, econômica e social. Países com mais recursos, mesmo que muito afetados, poderão lidar melhor com os danos disso, diferente de países que ainda enfrentam dívidas e economia instável. Outro ponto é que as áreas menos afetadas ou com clima mais agradável serão de disputa. Com isso, os mais ricos vão se sobressair no acesso a esses territórios. O que nos leva para o segundo ponto:

Gentrificação climática: Hoje em dia já usamos o termo gentrificação para nos referir a áreas que passam a se tornar interessantes para a classe média e/ou elite e geram a expulsão de antigos moradores com o aumento do preço da terra. Imagine isso numa escala global, com a mudança de clima e aumento do calor, ricos vão mudar para áreas mais frescas, menos inóspitas e com menores impactos de desastres. Isso irá aumentar o valor da terra nesses territórios, expulsando nativos e impedindo o acesso de pessoas mais pobres.

Refugiados climáticos: Vão se ampliar os casos de pessoas tendo que fugir de seus países, de sua origem e cultura visando sobreviver diante de suas terras devastadas ou improdutivas por conta das mudanças climáticas advindas desse processo do colapso ambiental.

E como isso se transforma numa questão racial? Não preciso nem lembrar que os mais ricos e os mais pobres possuem identidades raciais muito bem definidas num sistema como o nosso. E aí entra novamente a questão do racismo: seremos alvos fáceis. Conseguir asilo será mais difícil para aqueles que já são “marcados” (já vemos isso acontecendo na Europa em relação a africanos e árabes). Pela ausência de recursos, não teremos chance de escolher como e onde viver, seremos expulsos de nossas terras caso elas se tornem mais interessantes para quem tem mais dinheiro. Populações serão extintas. Ao pensar em mulheres, já se sabe que em catástrofes ambientais, elas são afetadas de forma diferente: se tornam alvos mais vulneráveis para violência sexual e tem seu fazer mais afetado, já que muitas são camponesas, assim como negros, pobres, indígenas, asiáticos e latinos.

Pensar sobre racismo ambiental então é importante para considerar essas e tantas outras questões, antes de achar que pautas de meio ambiente são “coisa de branco”. Crianças negras levam tiro da polícia, sim. Assim como morrem de toxoplasmose em áreas insalubres, contaminadas em áreas que são lixões industriais e vão morrer ainda mais nas secas, fome e processos de imigração. Por isso, é e sempre será uma pauta racial a discussão sobre meio ambiente, bem viver e território. Genocídio não é só a morte por tiro, é toda a lógica de exclusão baseada na nossa identidade racial que faz com que nossas vidas sejam descartadas dentro do sistema. Seja no tiro direto, seja pelo não acesso a tratamentos de saúde, por contaminação do meio, pelo não cuidado com doenças psicológicas, etc, nós somos e continuamos alvos fáceis desse jogo em que alguns são vistos como dignos do direito à vida e outros como descartáveis para manutenção do sistema.

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