Era o dia 21 de março de 1960 e a cidade de Johanesburgo, capital da África do Sul, havia sido tomada por milhares de pessoas, em sua maioria negras, que protestavam contra a chamada Lei do Passe. Tal lei obrigava a população negra a portar um cartão de identificação especificando os locais onde estavam autorizadas a circular. Eram os terríveis anos da sociedade do apartheid, regime de segregação racial que vigorou na África do Sul de 1944 até 1990.
Por Luis Gustavo enviado para o Portal Geledés
Os manifestantes prosseguiam pacificamente até o bairro de Sharpeville, quando foram surpreendidos por rajadas de metralhadoras disparadas indiscriminadamente pelos soldados do exército. O saldo foi assustador: 69 pessoas mortas e 186 feridas.
Esse episódio entrou para história como o “Massacre de Sharpeville” e, para que não caísse no esquecimento, a Organização das Nações Unidas (ONU) definiu o dia 21 de março como o Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial.
Passados 57 anos do Massacre de Sharpeville, constata-se que a luta dos negros ainda não terminou e que é necessário avançar significativamente no combate à discriminação racial nos quatro cantos do globo.
São várias as práticas racistas que pipocam pelo mundo, contaminando diferentes esferas da sociedade, seja nos esportes, política, educação e até mesmo em instituições religiosas. Nos EUA, por exemplo, jovens negros são covardemente assassinados pela polícia e seus algozes não são punidos. No Brasil, os diversos relatórios elaborados pela Anistia Internacional condenam o tratamento diferenciado dado a brancos e negros por agentes da segurança pública e o sistemático desrespeito aos direitos humanos da população negra. São frequentes os “equívocos” policiais que resultam em constrangimento e assassinato de pessoas pertencentes a determinado seguimento da população.
Dados publicados no Mapa da Violência 2016 apontam que, em 2014, morreram 158,9% mais jovens negros que brancos vítimas de disparos com arma de fogo. É como se a chacina de Sharpeville se repetisse rotineiramente entre nós, brasileiros.
Há, leitor, uma página sombria que compõe a história desse país. O regime escravista que vigorou por essas paragens por quase 400 anos forjou uma chaga definitiva no DNA nacional e gangrenou as possibilidades de acesso à cidadania plena aos egressos do cativeiro.
A discriminação racial é um escárnio. Ela provoca um estreitamento da visão de mundo, apequena e obscurece a realidade do nosso destino comum. Ainda que o racismo seja atuante e tenha manchado definitivamente a história da espécie humana, é possível construir outras formas de relação, despidas de preconceitos e pautadas pelo respeito ao outro.
Nos anos em que esteve no cárcere, Nelson Mandela escreveu:
“Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se aprendem a odiar, elas podem aprender a amar.”
Refletir sobre esse ensinamento é primordial nos tempos atuais, sobretudo para que construamos juntos uma sociedade em que todos possam desfrutar integralmente a plenitude de sua cidadania independentemente da cor da pele.
*Luis Gustavo Reis é professor e editor de livros escolares.