Fui passar o final de ano na casa dos meus pais, em Porto Alegre.
Por Clara Averbuck Do Confeitariamag
Inventei de revirar um baú e achei um diário meu de 1996.
Eu tinha 17 anos, ouvia muito rap misógino, achava que eu era superior a todas as outras (tem vários “odeio mulher”, “isso é coisa de mulher” espalhados pelo tal caderno) que, segundo minha pessoa de 17 anos, “não tinham cérebro e só se importavam com corpo e academia” e… era bulímica. Quer dizer, elas só se importavam com corpo mas eu, a superior, a que manjava dos sons, que era amiga dos caras, era bulímica e achava que o cara por quem eu era apaixonada só não ficava comigo porque eu ainda não era magra o suficiente (relendo o diário acho que ele me pegava escondido porque a outra mina que ele curtia não fazia sexo).
Que coisa mais triste. Como eu queria ter encontrado naquela época alguém que me dissesse que eu não precisava odiar mulher, que estávamos todas no mesmo barco, que eu não precisava provar nada praquele bando de homenzinho machista, que eu não precisava ser perfeita. Éramos uns três grupos diferentes de minas competindo, cada uma da sua forma, pela atenção dos caras. Algumas viviam na academia, outras curtiam as droguinhas, outras compartilhavam o gosto e a vontade de fazer música com os rapazes… Eu era essa aí, que curtia droguinha e ouvia o que eles ouviam e queria fazer música. Ouvia porque gostava, claro, mas identificava as “bitches” das músicas como “as outras”. As vadias eram elas. Eu ainda não tinha entendido que, por mais que eu tentasse me diferenciar das “outras”, eu era mulher. O que eu entendia como mulher não me servia, então, no meu raciocínio, eu não era mulher. E na fase seguinte eu era a…
~TAN TAN TAN~
MULHER DE VERDADE.
Que vergonha.
É tanta coisa errada nesse diário que a minha vontade é voltar no tempo e abraçar aquela Clara tão confusa, que se contentava com um banquinho no cantinho do mundo masculino porque entendia dos “assuntos de homem” mas queria ser desejada, queria ser linda, queria ser foda.
Não posso. O tempo passou e com ele eu aprendi que as mulheres não são minhas inimigas, que eu não preciso competir com elas e, principalmente, que não existo para agradar homem. Que coisa maravilhosa é saber disso. Que pena ter demorado tanto para aprender.
Não posso voltar no tempo.
O que eu posso fazer é contar isso pra vocês que têm 14, 15, 17, 25 anos e torcer para que o despertar de vocês venha antes. O meu começou aos 20 e muitos. Nunca é tarde. Mas quanto mais cedo melhor a vida pode ser.
Estamos todas no mesmo barco, gatas. Não existe “nós” e “elas”. Somos todas “elas”.
Deem cá um abraço em mim e na Clara de 17 anos e não vamos nos esquecer disso jamais.