Destituição da presidente brasileira tem base legal criticada por jornais e revistas alemães, que também reconhecem falhas da petista. Sede de poder de Temer e possível efeito positivo para Lula também são tema.
Do DW
A cassação do mandato da presidente Dilma Rousseff, como conclusão de um processo que durou nove meses, repercutiu na imprensa alemã nestas quarta e quinta-feiras (01/09). Os mais importantes jornais e revistas do país questionaram a legitimidade do impeachment, classificado-o com um processo com motivação política. Ao mesmo tempo, destacaram a inabilidade política de Dilma.
Michel Temer, que governará o país até 2018, foi apontado como alguém que nunca teria ganhado uma eleição. Além do peemedebista, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi apontado como um possível beneficiado do impeachment.
Golpe ou não?
“A palavra golpe tem um grande peso na América Latina”, afirma o influente portal Spiegel Online, apontando que o conceito é associado a generais e tanques nas ruas. “Mas como se deve chamar o processo em que uma chefe de Estado democraticamente eleita é afastada de seu cargo com uma justificativa legal duvidosa?” O veículo qualificou o processo de “farsa”, formalmente correto, mas com base legal frágil.
Segundo o portal, houve um abuso da cláusula do impeachment – destinada a proteger o país de crimes no mais alto cargo de Estado – para afastar uma presidente “desagradável”. “O Senado brasileiro representa uma classe política que é mais velha que a democracia. Ela se baseia em dinastias que por décadas governaram estados como se fossem seus reinos. A maioria dos Senadores representa um sistema que nunca aceitou a ex-guerrilheira Dilma”, pontua o Spiegel Online, e complementa: “Não é preciso ser um apoiador de Dilma, de Lula ou do PT para constatar: essa mulher foi vítima de uma injustiça histórica.”
Para o Zeit Online, recorreu-se ao procedimento de impeachment previsto na Constituição, mas em vez dos previstos graves abusos foram usadas “sutilezas jurídicas” envolvendo a manipulação de números do orçamento. “Então, todos agiram como se isso fosse a pior coisa do mundo. […] Na realidade, tratou-se de poder e política – e se vemos isso dessa maneira, todo o processo, apesar de cumpridas as formalidades, é uma violação da Constituição.”
Falhas como presidente
Apesar de questionar a legitimidade do impeachment, alguns veículos alemães também reconheceram que Dilma falhou. “Com uma política econômica fracassada e sua maneira autoritária e muitas vezes brusca, ela contribuiu para sua queda”, afirma oSpiegel Online. O portal aponta que Dilma não é a única responsável pela crise econômica, mas acobertou a verdadeira dimensão da crise durante a campanha eleitoral e reagiu tarde demais. “Assim ela perdeu o apoio da classe média.”
O portal Tagesschau também reconhece que o afastamento definitivo de Dilma não foi apenas consequência da sede de poder de Temer, mas também das falhas políticas da petista. O veículo aponta que Dilma não envolvia seus aliados nas decisões e muitas vezes permanecia inacessível durante meses. “Não foi, portanto, somente sua política, mas sobretudo seu estilo de governar que fortaleceu seus adversários.”
Temer: “sedento de poder, astuto e vaidoso”
A imprensa alemã fez duras críticas a Temer, classificado como alguém que nunca teria chance de ganhar uma eleição. “E ele nem poderia tentar: por doações eleitorais ilícitas ele não pode se candidatar”, aponta o portal Tagesschau, acrescentando que grande parte do governo de Temer está envolvida em corrupção “até o pescoço”.
“E não combina nada com o Brasil moderno que alguém convoque apenas velhos homens brancos para seu gabinete”, diz o veículo, que classifica o peemedebista como “sedento de poder, astuto e vaidoso”. “Temer é tão impopular no país quanto Dilma”, completa o Spiegel Online.
Ao contrário de Dilma, Temer fala a língua e joga o jogo dos senadores em Brasília, aponta o Die Zeit. “Ele conduz agora um governo que opera de maneira exatamente oposta àquilo que o povo escolheu ao eleger Dilma”, diz. “Até 2018, o Brasil terá que conviver com um governo que ninguém elegeu e que chegou ao poder de maneira altamente duvidosa. A democracia brasileira mergulhas numa crise de confiança da qual vai demorar a se recuperar”, afirma o jornalista.
Lula como beneficiado
Nos últimos tempos, Dilma não contava nem mesmo com o apoio do PT, aponta o Frankfurter Allgemeine Zeitung, pois o partido já mira na eleição presidencial de 2018, “a qual pretende vencer com o ainda popular Lula”.
Para o Sueddeutsche Zeitung, o impeachment de Dilma tem como vencedor não apenas Temer, mas também o ex-presidente Lula, ainda que por ora ele pareça ser o maior perdedor com o afastamento de Dilma, com o qual a era do PT chega ao fim, aponta o diário de Munique.
O jornal também aponta que o sonho vendido pelo PT de um Estado próspero, motor do crescimento do Hemisfério Sul, se acabou faz tempo e que, justamente os que chegaram ao poder prometendo fazer melhor que os antecessores corruptos, se tornaram tão propenso à corrupção como todos os outros.
No entanto, o impeachment de Dilma traz consigo duas ironias, destaca o Sueddeutsche: Dilma é uma das poucas políticas de alto escalão do país contra a qual não há acusações concretas de corrupção; e justamente o impeachment pode acabar por fortalecer o PT no futuro.
“Dilma falou repetidamente de um ‘golpe parlamentar’. Com isso, a estratégia de argumentação do PT para a próxima campanha eleitoral já está definida. Lula voltará a se candidatar […] – hoje o político mais popular e impopular do Brasil”, afirma. “Pode ser que com a destituição do governo do PT comece, ao mesmo tempo, o renascimento do partido”, conclui.