Quando recebi o convite para escrever esta coluna em alusão ao Dia Internacional da Mulher, me veio à mente a série de reportagens “Eu Desisto”, lançada pela Folha no começo do ano. Fiquei bastante impactada com relatos de situações que não fazem parte da vida da maioria das brasileiras como eu pelo simples fato de sermos negras.
Para além da ideia generalizada e, segundo o psicanalista Adam Phillips, equivocada de que desistir é sinônimo de fracassar, me peguei pensando na quantidade de coisas que jamais me permiti sequer cogitar em abdicar, por mais que me desagradem. Também lembrei do tanto que já quis abrir mão e do pouco que pude me dar ao luxo de deixar para trás e até hoje questiono se fiz a coisa certa. Afinal, quem constitui exceção nos ambientes que frequenta não costuma ter segunda chance…
Em minha trajetória profissional, desisti de dois empregos e pedi demissão (uma vez em nome da sanidade mental, outra por conta da insanidade temporária) sem ter outro trabalho em vista. O custo da ousadia foi alto. Quem “fura a bolha” também não costuma ter rede de proteção.
E, para além das desigualdades que mantêm mulheres negras na base da pirâmide social, o mito da guerreira é mais um complicador. Longe de ser elogio, é um fardo que perpetua o roubo de nossa humanidade. Quem é forte e dá conta de tudo não precisa de acolhimento, carinho e proteção, não é mesmo?
Visitando comentários na série “Eu Desisto”, me deparei com a seguinte citação de Clarice Lispector: “A insistência é o nosso esforço, a desistência é o prêmio. A este só se chega quando se experimentou o poder de construir, e, apesar do gosto de poder, prefere-se a desistência. A desistência tem que ser uma escolha. Desistir é a escolha mais sagrada de uma vida. Desistir é o verdadeiro instante humano”.
Sintetiza bem a situação. Desistir não é escolha fácil. E, por libertador que seja, é opção para quem é visto e tratado como humano.