Ice Blue, vamos falar sobre machismo?

No final desta manhã, foi publicada no SPRESSOSP da Revista Fórum uma entrevista exclusiva com o rapper Ice Blue, do grupo Racionais MCs. Para quem se interessa pela cultura da periferia e gosta de debater sobre o racismo, a entrevista concedida por Ice Blue é uma boa oportunidade de ampliar a visão e conhecer posicionamentos diversos. Apesar de certos pontos em suas falas despertarem debates internos no movimento negro, Ice Blue fala sobre racismo sem pestanejar.

Por Jarid Arraes

A maioria das respostas do rapper são longas; ele parece estar interessado em abordar os tópicos sobre os quais é questionado. Mas isso só permanece até tocar no assunto do machismo. O que acontece, então, não pode ser definido como nada menos do que uma vergonha. Ice Blue recebe a pergunta: “O rap é acusado de ser machista. Vocês pensam sobre isso?“, ao que responde com uma linha objetiva, rápida e seca de “A sociedade é machista, não é o rap. O rap só relata esse fato“. Muitas mulheres pretas do movimento negro e feminista não entenderam muito bem a resposta de Ice Blue – afinal, o que ele quis dizer? Sua intenção foi dizer que a sociedade é machista, mas o rap relata esse fato com letras críticas e combativas? Ou seria uma simples tentativa de justificar o machismo do rap dizendo que todo mundo é machista e, portanto, o rap relata esse machismo, sem que haja o comprometimento necessário de assumir uma posição contrária?

Com uma resposta tão vaga, ao contrário das suas demais colocações na entrevista, Ice Blue precisa parar para refletir sobre o machismo tanto quanto reflete sobre o racismo. Não dá pra fazer diferente, já que as mulheres negras são não somente negras, mas também mulheres, e suas especificidades não podem ser separadas. Como mulher negra da periferia do Nordeste – a região que é a periferia do Brasil -, não posso decidir em um determinado momento que serei somente negra e, em outro, somente mulher. As estatísticas estão aí para evidenciar que as mulheres negras são as maiores figurantes dos problemas sociais mais urgentes no Brasil, sendo vítimas até mesmo dos homens negros em contextos de violência doméstica e estupro. Se o movimento negro, a exemplo de Ice Blue, continua a falar de racismo no masculino, exemplificando somente a vivência dos homens negros, como o quadro de exploração e violação das mulheres negras poderá ser devidamente denunciado e combatido?

É verdade que nossa sociedade inteira é machista; o machismo não é exclusividade do rap e está em todos os estilos musicais, em todas as manifestações culturais e esferas do entretenimento. Mas está também nas correntes políticas e nos movimentos sociais, até mesmo nos de esquerda, além de se fazer presente também na periferia. Essa reflexão crítica precisa ir além das breves citações que visam apenas cumprir um papel demagogo. O machismo precisa ser nomeado, denunciado e combatido, sem meio termo.

Por isso, gostaria de convidar o rapper Ice Blue a se aprofundar no assunto e ler mais textos escritos por mulheres negras feministas, que produzem muito material relevante – no rap, inclusive. Aqui mesmo nessa coluna é possível ler uma entrevista com a incrível Yzalú. Mas não precisa parar por aí: inteligência, irmão, você tem de sobra. Mas ainda precisa aprender que as mulheres negras não vão mais aceitar papeis de figurantes em uma luta da qual também são protagonistas.

Fonte:Revista Fórum

+ sobre o tema

Três a cada dez mulheres têm medo de sair de casa

A pandemia de COVID-19 levou o mundo ao isolamento...

Discurso e poder: tudo começa na linguagem

O texto bíblico e a ciência convergem: no princípio...

Pastora Cleusa Caldeira – Conhecimento e Religião hermenêutica negra feminista

leia também: Hermenêutica Negra Feminista: um ensaio de interpretação de...

para lembrar

Vaticano afasta padre que revelou ser gay em entrevista

O padre polonês Krzystof Charamsa, que participou de coletiva...

Assista ao trailer do documentário “O silêncio dos homens”

Meses de gravações. 40.000+ pessoas escutadas em nossa pesquisa....

ONU aprova resolução condenando mutilação feminina

Brasília – A Assembleia Geral da Organização das Nações...
spot_imgspot_img

Universidade é condenada por não alterar nome de aluna trans

A utilização do nome antigo de uma mulher trans fere diretamente seus direitos de personalidade, já que nega a maneira como ela se identifica,...

O vídeo premiado na Mostra Audiovisual Entre(vivências) Negras, que conta a história da sambista Vó Maria, é destaque do mês no Museu da Pessoa

Vó Maria, cantora e compositora, conta em vídeo um pouco sobre o início de sua vida no samba, onde foi muito feliz. A Mostra conta...

Nath Finanças entra para lista dos 100 afrodescendentes mais influentes do mundo

A empresária e influencer Nathalia Rodrigues de Oliveira, a Nath Finanças, foi eleita uma das 100 pessoas afrodescendentes mais influentes do mundo pela organização...
-+=