Por Laura Astrolábio
Minha sobrinha é preta de pele clara e cabelo cacheado. Quando mais pequenina, ela não aceitava que eu dissesse que eu era preta, que minha irmã era preta e que ela era preta. Eu peguei uma foto do meu pai e mostrei pra ela e disse:
Fonte: Mamapress
por, Laura Astrolábio
“Esse homem lindo aqui é meu pai e pai da sua mãe e ele é preto. Ele é seu avô. Olha como somos parecidas com ele!”.
Ela falava:
_ “você não é preta, tia”.
Eu expliquei pra ela que sim e como as pessoas são de diferentes tons de pele negra assim como as pessoas brancas têm diferentes tons de pele branca. Comecei a dar bonecas Pretas pra ela (as que eu conseguia achar) e ela não dava a mínima e dizia:
_ “Eu queria uma Barbie loira”.
Um dia ela fez um desenho e disse:
_ “Tia, desenhei você”
Era o desenho de uma mulher com cabelos longos e lisos e eu perguntei pra ela o motivo dela ter me desenhado daquele jeito e ela disse:
_ “Eu imaginei que a senhora fosse gostar de ser desenhada assim”.
Eu chorei e minha irmã disse que eu estava fazendo drama, já que ela era pequena e não entendia. Eu expliquei com todo o amor que esse era o motivo do meu choro, pois eu não sabia o que fazer pra tirar da cabeça dela, o que o sistema havia colocado nela desde que ela nasceu, que eu não era nada frente ao sistema e que havia perdido pra ele dentro da minha família.
Me senti inútil e falei várias vezes, que não adiantava nada receber mensagens de pessoas dizendo que eu as tinha ajudado em seus processos de aceitação com as coisas que eu escrevia, se minha sobrinha não me aceitava e não se aceitava. No entanto, sempre tinha uma alma amiga pra me consolar e dizer que eu ia conseguir sim e que era assim mesmo.
Comprei uns livros com personagens negras e li pra ela, mostrando-lhe as ilustrações. A levei pra conhecer os Crespinhos S/A. Todas as vezes que a Elis Cantanhede aparecia em algum programa eu ligava pra ela e falava pra ela ligar a tal da TV e assistir a menina pretinha que ela tinha conhecido naquele bailinho . Ela continuava dizendo que queria uma Barbie loira e que queria ser loira e que queria ter o cabelo liso.
Eu continuava triste e me sentindo um nada diante daquela menininha, que eu não conseguia empoderar.
Hoje ela enviou um áudio, me contando do presente de natal que ganhou (eu ainda não perguntei de quem) . Muito empolgada , ela disse que a boneca é muito linda e etc. e tal. Terminou dizendo:
_”Eu gostei muito dela, tia… e ela é pretinha”.
A bonequinha que comprei pra ela esse ano também é, mas ainda não nos encontramos pra eu entregar.
Eu nunca desisti, mas era eu sozinha contra a televisão e todos os seus personagens. Contra a escola e todos os alunos, pais e professores que já passaram de alguma forma pela vida dela. Mas parece que alguém , além de mim, resolveu entrar nessa briga também. Alguém que pode ter escutado o rap da Mc Soffia ou ter visto a Elis dizendo num vídeo:
_”Eu sou pLeta! Entendam o que eu falei”, com o peito cheio de amor próprio.
O áudio da minha sobrinha contando cheia de entusiasmo,sobre ter amado a boneca, sobre a boneca ser linda e sobre a boneca ser pretinha, foi o melhor presente de natal que eu já ganhei nessa vida. Aquela semente que eu plantei, que eu reguei, que parecia que não ia brotar… ela brotou.
P.S: Obrigada, Renata Morais , pelas vezes em que você me ajudou e disse pra eu não desistir dela