Carta em defesa de políticas públicas de promoção do respeito religioso

Enviado por / FonteUNEAFRO

À Sociedade Brasileira Aos candidatos/as à Presidência da República e candidatos/as aos governos de Estados.

Carta das Religiões Afro-Brasileiras, autoridades religiosas, intelectuais e acadêmicos a ser endereçada, na segunda quinzena de Setembro, aos postulantes aos executivos Nacional e Estaduais.

O Estatuto da Igualdade Racial (lei federal 12.288/2010) impõe ao Estado a obrigação de punir o racismo religioso e a intolerância (art. 26, caput), como também implementar políticas de promoção da tolerância, isto é, de valorização da diversidade religiosa (art. 13, inciso IV);

Não basta que o Estado respeite a crença ou descrença, cabendo-lhe promover o respeito e a tolerância, uma ação proativa que não se limite à punição mas que mobilize instrumentos de intervenção estatal nas áreas de comunicação social, educação escolar, política cultural, publicidade e propaganda visando valorizar, fomentar e assegurar a coexistência, convivência harmoniosa e respeito recíproco entre todas as convicções (ateus e agnósticos) e crenças;

A legislação distingue os diferentes papéis e níveis de responsabilidade do Estado, das estruturas, das instituições e do indivíduo na reprodução da violência decorrente do racismo religioso. Reiteramos a responsabilidade primordial do Estado na garantia do pleno exercício da liberdade de crença, de culto, de liturgia e de organização religiosa;

Acerca da responsabilidade dos agentes públicos, vale lembrar que estes devem obrigação rigorosa ao princípio constitucional da impessoalidade da administração pública. Assim, ao atuarem movidos por interesses religiosos, privilegiando ou prejudicando determinada confissão religiosa, devem responder por improbidade administrativa, crime de prevaricação ou mesmo crime de responsabilidade, sujeitando-se ao impeachment;

Nesta senda, impõe-se uma ação enérgica das autoridades públicas voltadas ao imediato desaparelhamento do Estado, visto que agências públicas de importância fundamental como os conselhos tutelares, por exemplo, espalhados pelos mais de 5.600 municípios brasileiros, encontram-se hoje aparelhados por facções religiosas, drenando dinheiro público para beneficiar interesses particulares e perseguir as Religiões Afro-Brasileiras;

O esforço de desprivatização do Estado deverá ser aplicado também na fiscalização dos meios de comunicação social, porquanto atualmente os programas religiosos ocupam o primeiro lugar na grade da TV aberta, um serviço público financiado por todos os brasileiros que não pode aparelhado pelo discurso de ódio religioso, o qual incita e induz brasileiros a ofenderem e agredirem outros brasileiros em razão de sua crença ou descrença;

Reiteramos, ainda neste ângulo da repressão estatal, que os ataques a templos das religiões de matriz africana, a tortura de sacerdotes(isas), a destruição de símbolos religiosos e a depredação de terreiros, difundidas pela internet, configuram crime de terrorismo que deve ser investigado e punido pela Justiça Federal, Ministério Público Federal e Polícia Federal. Do mesmo modo, a depredação de templos deve ser tipificada como crime ambiental (lei 9.605, art. 62) e não como mero dano ao patrimônio privado;

A impunidade que insiste em naturalizar a violência cotidiana perpetrada contra as Religiões Afro-Brasileiras, faz com que no Rio de Janeiro e em outros estados, sacerdotes e sacerdotisas sejam tratados como “deslocados internos”, refugiados em seu próprio país, expulsos de seus territórios e obrigados a abandonar suas residências sob a mira de armamentos de guerra. Ao Estado cabe indenizar as vítimas, propiciando-lhes nova habitação, a reconstrução de seus templos e reparação integral de todos os danos materiais e imateriais;

O direito à reparação cível em razão de dano decorrente de racismo religioso, atualmente encontra-se amparado pela Constituição da República, devendo os entes federativos serem responsabilizados por quaisquer danos à dignidade, honra, bens materiais e ao patrimônio cultural material e imaterial das Religiões Afro-Brasileiras;

O patrimônio cultural material e imaterial Afro-Brasileiro, o acarajé e a capoeira, dentre tantos outros tombados e inventariados, constituem o núcleo fundante da nacionalidade brasileira, da memória, identidade e história dos africanos escravizados e seus descendentes, maioria da população brasileira. Cabe ao Poder Executivo assegurar a integridade deste patrimônio, pondo fim a imitações racistas e violentas que pretendem desfigurar e antagonizar este legado com fraudes ditas evangelizadoras tais como “bolinho de Jesus” e “capoeira gospel”, as quais configuram indisfarçável ofensa ao sentimento religioso e ao legado civilizatório Afro-Brasileiro;

Por último, mas não em último, urge a implementação dos dispositivos da LDB que prescrevem a tolerância como princípio de política educacional (art. 3º, IV e art. 32, IV), em consonância com o Protocolo Adicional da Convenção Americana de Direitos Humanos, segundo o qual “a educação deve tornar todas as pessoas capazes de participar efetivamente de uma sociedade democrática e pluralista (…) e favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre (…) todos os grupos raciais, étnicos ou religiosos, e promover as atividades em prol da manutenção da paz” (art. 13, item 2).

Nossos esforços em defesa de políticas públicas de promoção do respeito religioso relembram o histórico de luta de nossas lideranças como Mãe Aninha que, em 1930 se desloca ao Palácio do Catete e exige o fim da perseguição policial e respeito as nossas práticas; na década de 1940 Mãe Lídia Alves reivindica a reabertura das casas de Candomblé no estado de Pernambuco, ambas enfrentaram com altivez o regime militar. Toda homenagem e honra aos nossos ancestrais escravizados condenados a morte pelo crime de feitiçaria; aqueles obrigados a fecharem seus templos; aos que se submeteram a exames de sanidade mental; presos; torturados; aqueles que tiveram seus artefatos sagrados apreendidos e as crianças arrancadas de seus pais e mães com o aval do Estado brasileiro em razão de sua crença em nossa religião.

São Paulo, 22 de agosto de 2022.

UNEafro Brasil[1]

IDAFRO Instituto de Defesa das Religiões Afro-brasileiras

ILÊ ARA Instituto Livre de Estudos Avançados em Religiões Afro-brasileiras

Grupo de Pesquisa LAROYÊ culturas infantis e pedagogias descolonizadoras

CENARAB Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro-brasileira

Renafro Saude – Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saude

[1] O rol de aparição segue a ordem de adesão.

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