Michelle Obama e Beyoncé: amigas e feministas?

As declarações públicas e as escolhas feitas por ambas representam uma linha específica de pensar sobre as mulheres, o trabalho e a família.

 Michelle Obama e Beyoncé Knowles são mulheres poderosas casadas com homens poderosos. São amigas. Suas famílias convivem. Elas trocam elogios publicamente e apoiam os respectivos projetos.

Poucos ficariam surpresos por Beyoncé estar em Washington para o 50º aniversário da primeira-dama este mês. (O marido de Beyoncé, Jay-Z, toca na cidade em 16 de janeiro, véspera do aniversário.) Com o desenvolvimento da amizade, estas duas mulheres têm sido – conscientemente ou não – nomes do feminismo do século 21.

– Elas são mulheres incrivelmente competentes que não têm apenas carreiras em flor, mas casamentos e filhos em flor. Essa é uma mensagem feminista muito inspiradora – diz Anna Holmes, escritora baseada em Nova York e fundadora do site Jezebel – Não é artificial, mas, por padrão, aparece como muito revolucionário.

É complicado, claro. Mas, em conjunto, as declarações públicas e as escolhas feitas por Michelle Obama e Beyoncé representam uma linha feminista específica de pensar sobre as mulheres, o trabalho e a família que, para estudantes do feminismo, poderia muito bem ser chamada de “Beyoncismo”.

A mais recente contribuição da estrela pop global para seu gênro de feminismo veio no mês passado, com o lançamento surpresa de um álbum visual autointitulado com a canção “*** Flawless” (Infalível). Ela traz trechos de uma palestra da escritora nigeriana Ngozi Adichie Chimamanda chamada “Todos nós devemos ser feministas”. Na versão em vídeo da canção, Beyoncé ergue o punho enquanto Adichie define uma feminista como alguém que “acredita na igualdade social, política e econômica dos sexos.”

Michelle Obama, que não se declarou uma feminista de forma ostensiva, tem usado sua plataforma para discutir questões semelhantes. Em uma recepção na Casa Branca para o Dia Internacional da Mulher em 2011, a primeira-dama falou sobre a importância da igualdade salarial, celebrou mulheres que romperam barreiras e citou a escritora Alice Walker: “Então, nossas mães e avós têm mais frequentemente, de forma anônima, transmitido a centelha criativa, a semente da flor que elas próprias nunca esperavam ver”.

Para Mark Anthony Neal, professor de cultura popular negra na Universidade de Duke, o exemplo dado pelas duas – aos olhos do público, construindo o sucesso como parecem querer – é inédito.

– Do ponto de vista da América negra, seria difícil pensar em outra época em que tivemos dois exemplos do que significa ser uma mulher negra bem-sucedida em seus próprios termos.

Enquanto negociam as questões em torno das mulheres e do poder na cena pública, a primeira-dama e a popstar têm atraído críticas por como eles se mostram e sua escolha por cuidar da família em detrimento da carreira. Michelle Obama, que estudou em Princeton e Harvard, se intitulou “mãe-em-chefe”. Beyoncé batizou sua turnê de “The Mrs. Carter Show World Tour”, em uma homenagem ao marido. A cantora também foi critica por pensadoras feministas por não economizar na hora de mostrar sua sexualidade.

Essa crítica leva às perguntas: Pode uma estrela do pop ser feminista se ela gira sobre um carro em um clipe? Pode uma primeira-dama ser feminista se ela cuida de um jardim e fala pouco sobre sua formação em Direito?

As conversas em curso sobre a primeira-dama e Beyoncé fazem parte de um renascimento robusto de discussão sobre o feminismo nos últimos anos. O novo disco de Beyoncé gerou dezenas de ensaios dissecando sua música e seu feminismo. Um artigo controverso na “Politico Magazine” chamando Michelle Obama de “pesadelo feminista” foi um dos mais lidos da revista de 2013.

– Estou tocada com as pessoas que querem falar sobre o feminismo e as vidas das mulheres – diz Holmes. – Mas há momentos em que essas discussões se transformam em um teste de pureza que não é particularmente útil.

Stephanie Coontz, que escreve sobre o feminismo e história familiar, vê as duas mulheres fornecendo acomodação “para o fato de que ainda estamos presas a certos tipos de escolhas e comportamentos limitados.” As pessoas não prestam atenção suficiente aos constrangimentos que levam as mulheres a escolher ações ou identidades particulares, diz Coontz, que leciona na Evergreen State College, em Olympia, Washington.

– O que pode ser uma escolha que pode empoderar individualmente uma mulher ainda pode perpetuar um conjunto de opções limitadas para as mulheres; que você pode ser uma mulher de carreira forte ou uma mulher profissional; ou puritana, ou objeto sexual – diz ela.

Beyoncé pareceu responder indiretamente a tais críticas em suas letras, professando a posse sobre sua carreira e sua vida familiar. “Levei algum tempo para viver a minha vida. Mas não ache que eu sou apenas sua esposinha”, ela canta em “*** Flawless”.

Fãs de Michelle Obama esperam que ela esteja mais livre para responder a seus críticos em seus anos pós-Casa Branca.

– Muitos de nós esperam ansiosamente para ler o livro de memórias de Michelle Obama – diz Neal. – Ela pode ter sacrificado um pouco de sua ambição pessoal para apoiar seu marido, mas nós não achamos que ela não vai voltar para o mundo e ser o tipo de mulher que ela era antes.

Beyoncé e Michelle Obama formam uma sociedade de admiração mútua de alto padrão e parecem ter uma verdadeira amizade. Sua conexão pública foi estabelecida quando Knowles cantou “At Last” para o casal Obama dançar no baile inaugural de 2009. No ano seguinte, Beyoncé e seu marido visitaram a Casa Branca. Na mesma época, a cantora gravou “Move Your Body”, uma música em apoio ao programa de defesa de exercícios físicos da primeira-dama. Michelle Obama levou as filhas para shows de Beyoncé mais de uma vez. Quando a revista “People” perguntou à primeira-dama com quem ela gostaria de trocar de lugar, Michelle Obama escolheu Beyoncé, dizendo que ela gostaria de ter sido uma grande cantora.

Beyoncé e seu marido também apoiaram a campanha de reeleição do presidente Barack Obama, com um evento cujos ingressos custavam US$ 40 mil. E a cantora escreveu uma carta aberta e um poema celebrando Michelle Obama como uma inspiração.

O relacionamento deles não agradou alguns. Allison Samuels, autora de “What would Michelle do?” (“O que Michelle faria?”), sugeriu em uma coluna no ano passado que Beyoncé não é a amiga ideal para a primeira-dama, dadas as letras e roupas por vezes controversas.

A amizade, que outros celebram, e a fama de ambas ressaltam a relação histórica entre as mulheres negras e feminismo, diz Neal, que se considera uma “feminista negro”.

– O feminismo negro é algo que é muito orgânico e muito maleável, dependendo de um indivíduo – diz ele. – Nunca foi um conjunto particular de ditames. Quando feministas brancas estavam reivindicando o seu lugar no mercado de trabalho, as mulheres negras estavam trabalhando e sendo mães há gerações. Tanto Beyoncé como Michelle Obama vêm da classe trabalhadora e da classe média. Isso influenciou-as como esposas e mães

Kevin Allred, que dá um curso da Universidade Rutgers intitulado “Politizando Beyoncé”, concorda.

– Elas permitem explicitamente um foco sobre o direito das mulheres negras à autodeterminação – diz.

Observar as duas mulheres em relação a seus maridos também diz muito, afirma Rebecca Traister, autora de “Big Girls Don’t Cry”, sobre a eleição de 2008.

Ela aponta que Michelle conheceu o marido quando foi designada para ser sua mentora no escritório de advocacia onde trabalhava, e que Beyoncé conheceu o marido quando ela era adolescente, mas disse à revista “Seventeen” que ela decidiu que não se casaria antes dos 25 anos porque queria ser si mesma em primeiro lugar.

– É difícil expressar o quão revolucionário é ver mulheres poderosas que vivem em parcerias de igualdade com homens poderosos – diz Traister, que está trabalhando em um livro sobre as mulheres solteiras. – Temos que lembrar o quão novo isto é em termos do que ser uma esposa deveria ser.

O presidente e a primeira-dama são um “casal igualado em termos de personalidade, em termos do tipo de energia que emana deles”, Traister acrescenta. E Beyoncé continua a inovar em sua carreira e amadurecer como artista, mesmo com o sucesso do marido.

Isso leva a uma questão importante sobre os homens ao lado dessas mulheres, diz Holmes.

– Talvez devêssemos falar sobre se Jay-Z e Barack Obama são feministas – afirma ela.

Fonte: O Globo

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