Miguel Otávio: não foi acidente, não foi tragédia. racismo mata!

É 2020. Estamos na primeira semana de Junho, em meio a uma pandemia! Nossas mentes e corações estão bombardeados de incertezas e inseguranças. Sem contar as consequências da Covid-19 que nos tira o fôlego temos um desafio maior. Se manter vivas e vivos! Eis aqui o nosso desafio existencial escancarado para toda humanidade. Porquê falar sobre isso? Porque somos negras e negros!

O debate sobre as relações raciais no Brasil se aqueceu ainda mais por conta das ações racistas e desumanas das polícias no Brasil e no mundo. Um legado de privilégios tem sido enumerados ao redor das fogueiras que foram acesas nos Estados Unidos da América do Norte. Em meio a pandemia somos nós que enfrentamos as consequências do racismo:
estamos nas periferias em habitações precárias, enfrentando desemprego, falta de alimentos e violência. Estamos encarando as desigualdades raciais enraizadas em nossa história, com a potente chama do debate sobre a Branquitude! Para entendermos que o racismo é um problema para brancos e negros!

Hoje destacamos o caso de Miguel (5 anos), filho de Mirtes e neto de Dona Marta, ambas corajosas trabalhadoras, empregadas domésticas. Elas trabalhavam para a família do Prefeito de Tamandaré-PE (Sérgio Hacker). O crime que queremos destacar envolve a esposa dele, Sarí Gaspar Corte Real, que manteve a mãe de Miguel trabalhando em plena pandemia. Nesta quarta, 03 de junho de 2020, Mirtes levava os cachorros para passear fora do prédio, Miguel ficou no apartamento com Sarí. Ela impaciente com o choro da criança que chamava a mãe colocou a criança sozinha no elevador, é o que as câmeras conseguem registrar. Mas queremos destacar aqui o que as câmeras não conseguiram captar: a negação da infância negra que acompanha a mãe no trabalho doméstico vivenciando desde pequeno as dimensões subjetivas do racismo estrutural à brasileira com ações discriminatórias e de desigualdades raciais.

Colocamos em negrito, que se fosse a Mirtes que tivesse agido da mesma forma com os filhos da Sari, ela estaria presa, pois não teria como pagar uma fiança de R$ 20 mil reais. Esse dinheiro permitiria a Sarí garantir a Mirtes o cuidado de ficar em casa em plena pandemia. Que justiça permite que uma trabalhadora em meio a pandemia se exponha junto com seu filho, mesmo o patrão testando positivo para a Covid-19?

Triste notícia brasileira? Não. Mais um fato cruel do que é ser negra, trabalhadora e mãe. Fazemos nossas preces para que não sejamos alcançadas por essas violações. Fato que, ante o quadro de genocídio da população negra, afeta toda a comunidade negra de uma forma ou de outra.

Dentro das desigualdades nas relações raciais, queremos destacar nesta situação como a branquitude e seus privilégios é cúmplice desse crime e a Sarí Corte Real é beneficiária do racismo. Existe a isenção dela de cuidar de uma criança, sendo responsável pela situação de perigo em que colocou o Miguel (uma criança de 05 anos sozinha no elevador). Em nenhum momento, Sarí Corte Real se coloca no lugar da mãe de Miguel, em nenhum momento se identifica com o lugar de cuidado e fornece o combustível para um ciclo de horror e opressões. A identidade racial de Sari Corte Real? Branca. Ser consciente deste lugar é urgente, entender o ciclo funesto da discriminação racial é fundamental para que possamos ver amplamente que vidas negras importam. A prisão para a Sarí Corte Real pelo abandono de incapaz é o passo para que nossa sociedade assuma as consequências mortais dos privilégios auferidos pela branquitude, quando tratamos de quem é discriminado e discriminador.

Destacamos aqui razões para exigir que a Justiça se estabeleça, pois estamos ante uma das mais duras realidades que uma mãe pode viver: a ausência/morte de seu filho e as lembranças da forma violenta com que esta vida foi interrompida. É horrendo! A negligência com a vida de uma criança negra nos leva a exigir que reconheçam que o crime foi sim intencional. Cobertura de saúde, cuidados psicológicos e amparo judicial para essa família de mulheres é fundamental. Estamos dilaceradas e dilacerados com mais essa tragédia e queremos destacar o papel fundamental da rede de apoio para a mãe e avó, Mirtes e Marta, que exigem Justiça diante da perda da alegria de suas vidas.

Seguimos em marcha, juntas e juntos na luta por Justiça.

 


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