O ataque da Istoé a Dilma fica ainda pior quando se sabe que a autora reclamou do machismo. Por Cidinha da Silva

Dois sentimentos tomaram meu espírito ao ler a matéria de capa de Istoé desta semana, “Uma mulher fora de si”, escrita por Débora Bergamasco e Sérgio Pardellas.

Por  Cidinha da Silva, do DCM

 

O primeiro foi de incredulidade diante de um material de ficção mal escrito e mal fundamentado, de enredo trôpego, travestido de jornalismo.

A cada peça da montagem do golpe ao governo legítimo de Dilma Roussef e de assalto à democracia evidencia-se o sentimento de estupefação diante dos lugares inacreditáveis onde conseguem chegar, à custa de métodos desleais e manipuladores.

O segundo sentimento foi de asco. É difícil concluir a leitura de tanta bílis derramada pelos dedos de dois jornalistas no teclado, fazendo com que a misoginia e o machismo tomem o lugar da política e do trabalho profissional de apuração de fontes.

As pessoas citadas no texto reduzem-se à função de “importantes assessores palacianos”. Não há citações diretas. Há dois ou três nomes mencionados de maneira acessória num disse-me-disse digno de fotonovelas.

Outras cronistas já destacaram a prática de “gaslighting” presente na matéria de Bergamasco e Pardellas que não aborda o suposto desequilíbrio emocional de uma mulher, como anuncia, mas ataca-a de maneira misógina.

O “gaslighting” é uma violência emocional que usa o método da manipulação psicológica para levar uma mulher a achar que é louca ou incapaz. Uma série de ações dirigidas induz as pessoas ao redor dessa mulher a acharem o mesmo. É o que pretenderam os dois jornalistas de Istoé.

É surpreendente ter uma mulher e mais ainda, esta mulher, a jornalista Débora Bergamasco, no exercício deste papel, uma vez que ela mesma foi vítima de acusações  machistas por parte dos competitivos colegas de imprensa.

Quando da publicação da delação premiada de Delcídio do Amaral, em primeira mão pela Istoé, Debora foi acusada de ter acesso privilegiado à informação graças a um suposto envolvimento afetivo-sexual com um dos mandatários da República.

A tentativa de diminuição profissional de uma mulher sob a batuta de especulações sobre sua vida privada fez com que muita gente importante se solidarizasse e a defendesse, a despeito do teor manipulador do texto.

Lembro-me que Debora escreveu o seguinte alerta-desabafo na Web antes de disponibilizar a matéria da revista para seus seguidores: “Ser mulher é um desafio permanente, é uma superação cotidiana. É provar todos os dias sua capacidade, vencer o preconceito, a discriminação e o machismo”. “O opressor não seria tão forte se não tivesse cúmplices entre os próprios oprimidos” e “Ninguém nasce mulher: torna-se mulher”, de Simone de Beauvoir.

Santa sacanagem, Batman! Como o nome de Simone de Beauvoir pode ser usado em vão.

A Presidência da República reagiu à altura e anunciou pedido de direito de resposta: “Seria fácil rebater minuciosamente a escandalosa, leviana, sexista, covarde e – por que não? – risível peça de ficção que produz na edição deste fim de semana.

Mas fazer isso seria tratar como jornalismo o que não é; seria conferir respeito ao que, no fundo, é inqualificável; seria pensar que algo ali pode ser crível e confiável, o que está muito longe de ser. O único respeito que merece é para os eventuais remédios que se possa tomar contra os delírios e surtos de descontrole da revista. Uma publicação fora de si”.

Só nos resta continuar nas ruas clamando pela visibilidade de mulheres de luta como as meninas do ensino médio que enfrentaram os policiais de Alckmim durante a ocupação das escolas em São Paulo, e por menos Déboras Bergamascos no cenário político contemporâneo.

Sobre o Autor

Cidinha da Silva, mineira de Belo Horizonte, é escritora. Autora de “Racismo no Brasil e afetos correlatos” (2013) e “Africanidades e relações raciais: insumos para políticas públicas na área do livro, leitura, literatura e bibliotecas no Brasil” (2014), entre outros.

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