O combate ao racismo também está em fortalecer profissionais negras

O combate ao racismo também está em fortalecer profissionais negras

Quando foi instituído o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, em 25 de julho de 1992, mulheres negras estavam reunidas na República Dominicana para debater os desafios de raça, gênero e classe na região. A data, por sua vez, foi criada em memória da líder quilombola Tereza de Benguela, como forma de dar visibilidade e valorizar as contribuições de nós, mulheres negras, para a defesa dos direitos humanos e o combate ao racismo. Trinta e um anos depois daquele encontro, avançamos muitos passos, graças à luta de ancestrais e contemporâneas potências que venceram tantas batalhas por nossa emancipação, mas os desafios ainda se impõem como uma luta coletiva – e não apenas local, mas global.

Essa ressalva de que, embora se manifeste de diferentes formas de acordo com o contexto regional, o racismo é um fenômeno global e, portanto, deve ser enfrentado de forma sistêmica é muito importante. O fato de se apresentar com características distintas regionalmente faz com que pareça um problema isolado, mas, sabemos, não é. Por isso mesmo, é essencial pensar em estratégias disruptivas, que transcendam o nível local e que promovam mudanças significativas, em direção a um mundo no qual a posição das pessoas negras, e sobretudo das mulheres negras, seja muito diferente da que é agora.

Tenho essa crença porque, à frente da área de equidade racial na Fundação Lemann, tive a oportunidade de dialogar com muitas mulheres negras em posições de liderança pelo mundo. Não só aprendi com tantas líderes inspiradoras, como também pude constatar que fortalecer a carreira de mulheres negras e garantir que elas possam se apoiar mutuamente é um elemento fundamental para a emancipação e a cura da opressão histórica que recai globalmente sobre nós.

Na América Latina, os desafios particulares que enfrentamos ainda sofrem com a engenhosa estratégia de serem invisibilizados. Infelizmente, o mundo muitas vezes não enxerga o continente como um local de desigualdade racial significativa. No caso brasileiro, essa percepção equivocada é resultado do mito da democracia racial, que prevaleceu não só na nossa sociedade, mas no modo como internacionalmente somos vistos. Ao redor do mundo, percebo que até mesmo as mulheres negras ficam surpresas quando compartilho os desafios da desigualdade racial e da vivência da mulher negra no contexto brasileiro e latino-americano. A falta do reconhecimento da real dimensão do problema contribui para que a agenda racial e de gênero tenha tão pouco investimento na região e no país.

No Brasil, embora representem 27% da população, segundo dados de 2021 do IBGE, as mulheres negras estão distantes das esferas de poder. No primeiro escalão do governo federal, por exemplo, ocupam apenas 9% dos cargos. Se ainda são poucas, são exemplos potentes. É o caso da ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, que, em agendas mundo afora, tem se esforçado para fazer conexões e dar visibilidade ao desafio brasileiro, sem deixar de responsabilizar atores internacionais que são privilegiados pela desigualdade global. Na Espanha, por exemplo, ela assinou um acordo para o combate ao racismo, à xenofobia e a formas correlatas de discriminação.

Ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco (Foto: GETTY IMAGES)

Na ocasião, Anielle afirmou: “Várias mulheres negras têm chegado a espaços de decisão, mas, ainda assim, precisam provar todos os dias que são capazes de estarem ali. Vou seguir lutando para que venham outras mulheres e homens negros a ocuparem cargos de potência e liderança”.

O fortalecimento em rede tem sido uma crença das mulheres negras para ocupar e permanecer em posições de liderança. Sou grata a todas elas – sejam aquelas de gerações anteriores, que lutaram, por exemplo, pela Lei de Cotas ou pela inclusão de mulheres no mercado de trabalho, sejam aquelas com quem tive o privilégio de trabalhar ao longo da carreira ou as que agora dividem comigo o cotidiano e me fazem acreditar que um futuro mais igualitário é possível. Para isso, também acredito que permanece crucial apoiar o letramento e trabalhar com aliados para que outras mulheres negras ocupem e permaneçam em posições de liderança.

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