O papel das mulheres negras na produção executiva audiovisual

Enviado por / FonteO Globo, por Rachel Maia

Programas de apoio à carreira de pessoas negras em posições de liderança criativa contribuem para qualidade de filmes nacionais e fortalecem a sociedade

Como você vê o papel da mulher negra no mercado audiovisual? E não falo apenas sobre a representatividade na frente das câmeras, falo também de profissionais negros em posições de liderança e como protagonistas.

As propagandas precisam abordar temas como a falta de oportunidades, o racismo. Lidar com o preconceito será sempre um enorme desafio para o indivíduo, pois tem como matriz o ódio ou o rancor, mesmo velado ou não assumido. Transformar esse cenário pode ser possível com a inclusão e ações equânimes contínuas.

Devemos abrir espaço no mercado audiovisual para os criadores negros e profissionais que lideram as produções.

Notando esse gap, a partir da própria experiência atuando nesse mercado, um grupo de profissionais pretos criou em 2019 o NICHO 54, um instituto que promove equidade racial apoiando a carreira de pessoas negras em posições de liderança criativa, intelectual e econômica na indústria audiovisual.

Fernanda Lomba, cofundadora e diretora executiva do instituto, foi ainda mais longe e se propôs a resolver o problema a partir de um recorte de gênero. Ela tem mais de dez anos de experiência na área, assina a produção de cinco documentários longa-metragem para o cinema, duas obras seriadas de documentário para a TV e dois curtas-metragens e ainda esteve este ano no júri do Cannes Doc, a convite da organização do Festival de Cannes.

Segundo a executiva, no Brasil existem apenas de três a cinco mulheres negras produtoras que reúnem capacidade técnica e acesso para, efetivamente, produzir uma obra cinematográfica, seja documentário ou ficção.

Por isso, e com base no caminho que trilhou até hoje, criou uma metodologia para a formação e a aceleração de carreiras executivas para mulheres negras no mercado audiovisual. O NICHO Executiva chegou em 2023 em seu segundo ano e atende gratuitamente cinco participantes por edição, tem duração de 12 meses e metodologia exclusiva.

Nos módulos teóricos, as participantes têm aulas sobre internacionalização de carreira, língua inglesa, regulação, planejamento, distribuição e comercialização de produções audiovisuais e tecnologias usadas na produção executiva, além de mentoria com profissionais experientes em parceria com o Paradiso Multiplica, iniciativa de difusão de conhecimento do Projeto Paradiso, um dos apoiadores do programa. Também apoiam a iniciativa Instituto Ibirapitanga e Open Society Foundations.

A vivência prática promove a participação das produtoras em mercados internacionais. Dessa forma, o programa já garantiu a efetiva participação das produtoras brasileiras em festivais como Berlinale (Berlin) e American Film Market (Los Angeles), além da aproximação e do relacionamento delas com executivos dos maiores streamings do Brasil e pessoas de influência na cena audiovisual global.

O programa possui métricas de acompanhamento que, inclusive, envolvem as participantes em atividades de transmissão de conhecimento em eventos e atividades do Instituto. Ele é um exemplo de ativação de comunidade e criação de rede de suporte qualificada.

Uma das participantes da primeira edição do NICHO Executiva, Yolanda Maria Barroso, encontra-se com Fernanda Lomba — Foto: Acervo pessoal

Uma das participantes da primeira edição do NICHO Executiva, Yolanda Maria Barroso, já colhe os frutos da formação. Com 15 anos de experiência no audiovisual, participou do Festival de Berlim, por meio do programa Doc Toolbox, onde pôde desenvolver e realizar todas as etapas da iniciativa, olhando para desenvolvimento, marketing e distribuição de filmes.

No mesmo evento, conheceu organizadores de outros festivais e, a partir deste network, foi convidada este ano para participar de um painel no Doc Talk do Marché du Film, braço de mercado do Festival de Cinema de Cannes. Para ela, a grade curricular do programa tem o valor de uma pós-graduação, e essa oportunidade foi fundamental para reconhecer o seu potencial e o poder de todas as escolhas que fez até aqui no âmbito pessoal e profissional.

É dessa forma, responsável e profunda, que as mulheres são formadas e mentoradas pelo NICHO Executiva. No audiovisual, programas como este vão criar narrativas racializadas que possam sair do papel e ganhar as telas. Esperamos, com a existência do programa, aferir impacto positivo na quantidade e na qualidade de filmes nacionais nos próximos anos com a certeza de que este investimento na comunidade e o apoio que oferece às carreiras das produtoras executivas vão fortalecer toda a sociedade.

“Uma pesquisa da Agência Nacional do Cinema (Ancine) de 2016 revela que pessoas negras representam 2,5% de diretores e roteiristas, sendo que somente homens negros estão nesse percentual, não tem mulheres negras como diretoras e roteiristas”.

Precisamos mudar este cenário, protagonista e aliados!

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