O que há de discriminatório nas abordagens policiais?

Caríssimos e Caríssimas!

Bom Dia.

Está fazendo dois anos que passei por uma situação complicada com a “Polícia Rodoviária  Federal” na divisa do Estado de Rondônia com o Estado de Mato Grosso. Ontem vivi uma situação bastante parecida, mas o o “ato”, a “forma”,  a “maneira”  qualifico-a como ligth, cordial em relação ao ocorrido em maio de 2011 em Vilhena. Porque que coloco-me a desabafar convosco? Por que foi com muitos e muitas de vocês que desenvolvi e fortaleci a percepção de como se dão as ações racistas e/ou discriminatórias que acontecem no cotidiano de nossa sociedade, no entanto vamos aos fatos.

Ontem no período noturno voltava de um trabalho voluntário com profissionais da educação e saúde da cidade de Buritis/RO no qual discutíamos a temática das “relações raciais” no contexto de trabalho. Quando retornava a Ji-Paraná, no posto da polícia rodoviária localizado neste município o ônibus foi interceptado. Como da última vez (lá em Vilhena) entraram dois policiais não informaram a todas as pessoas que ali estavam a causa e/ou o motivo da interceptação. Olhe só como as coisas aconteceram. Não consegui ver muito da atuação do policial que foi para o fundo do ônibus, mas vi quando desceu um menino de uns 14 ou 15 anos trajando calças jeans, camisa azul e chinelo de pele negra e cabelos lisos, desceu também um homem negro trajando calça jeans, camiseta escura e sandálias, ambos estavam vestidos com trajes modestos. Próximo da entrada do ônibus estava outro homem negro com características que mostravam certa miscigenação de negros e indígenas, foram apenas estes os indivíduos que tiveram que descer. No interior do ônibus algumas pessoas continuavam a ser questionadas, e vocês, acredito que estão apreensivos e apreensivas para poder chegar ao cerne da questão ou das razões que me fazem lhes confidenciar minha indignação, mas antes de fazê-la gostaria de me ajudassem a entender. Por que todas as vezes que a polícia brasileira faz suas abordagens (falo de minhas experiências) ela precisa exatamente começar por sujeitos de tez negra, (pretos,mulatos ou pardos)? Por que aqueles e/ou aquelas que aproximam da tez branca são sempre (nas minhas experiências) poupados?  Por quais razões? É como se fizessem vistas grossas para estes? 

Então, percebi que a abordagem do policial que ficou no meio do  ônibus começou com dois adolescentes negros de uns 12 ou 13 anos onde foi perguntado com quem estes estavam e reponderam que estavam com a mãe uma mulher negra sentada no banco a minha frente, o da abordagem pediu-lhes o registro dos adolescentes e em seguida fez diversas perguntas para a senhora. Na mão o policial tinha um farol que com o qual examinava minuciosamente os documentos dos garotos, percebi que no banco traseiro do ônibus havia uma jovem senhora branca com um bebê no colo, e os, mesmos procedimentos aplicados a senhora negra foi lhes dispensado. Em relação a minha pessoa, o policial perguntou ao garoto que estava do meu lado se eu estava com ele, este respondeu que não, em seguida pediu meus documentos e o retirou de dentro da parte plástica e obervou “minuciosamente” todos os detalhes com a lanterna, checou a marca d’água, de repente até ai considero algo normal.  O que não é normal é esta forma de abordagem  acontecer de um ônibus apenas com meus iguais. Outra questão é; estou cansado de dar explicação quando digo que sou professor de uma universidade. Não tenho que responder apenas uma pergunta é a uma diversidade delas, como se eu tivesse que apresentar um atestado. O que não consigo achar normal é dispensar homens brancos dos mesmos tratamentos dados aos homens negros. No banco atrás onde eu estava sentado estavam dois rapazes brancos e o “zelo” que o policial teve para comigo não teve também para com eles. Há algo de errado nesse sentido? Ou será que eu estou vendo coisas onde não existe? Seria uma invenção da minha cabeça?

No final das contas fiquei com minhas frustrações e indignações, pois houve uma “cordialidade” tamanha no acontecido, os dois senhores negros e o adolescente que havia descido, subiram com uma expressão em seus rostos de vergonha, constrangidos, mas tinham que olhar as outras pessoas nos olhos, as pessoas os olhavam fazendo suas leituras possíveis, aquelas os olhos e a mente conseguem. Eu lhes perguntaria, quais as contribuições o ocorrido naquela noite poderá dar para  as pessoas de pele clara sustentarem suas ideias (racistas, discriminatórias e preconceituosas) de que negros são sempre, perigosos, estão sempre envolvidos com coisas erradas? Quais as contribuições para que os de pele negra continuem a vivenciar o exercício da negação de si? Quais as consequências psicoló

gicas negativas que essa situação pode acarretar para os homens negros e as mulheres negras que a vivenciaram? 
Caríssimo e Caríssimas, gostaria talvez de ouvir uma palavra de algum ou alguma de vocês a esse respeito para que eu possa me acalmar esta manhã.  Amanhã dia 23 de abril farei outro trabalho voluntário e dessa vez será com alunos e alunas do 5º ao 9º ano de uma escola estadual e no período vespertino será com os alunos do ensino médio. Nesse sentido não sei se vou conseguir.

Acho que estou chegando ao meu limite.
Um fraterno abraço.    
 

PMs são suspeitos de montar grupo de extermínio

“Somos estigmatizados” – por Marcelo Pellegrini

“Aqui você não tem privilégio seu preto” – Policiais militares acusados de racismo a vereador em Nazaré das Farinhas

 
— 
Paulo Sérgio Dutra
Professor do DCHS – Departamento de Ciências Humanas e Sociais.
UNIR – Universidade Federal de Rondônia.
Campus de Ji-Paraná.

 

Fonte: Lista Racial

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