Púchkin e Machado, o ser negro, formas de ouvir o outro

Este estudo pretende, em leituras de Púchkin e aproximações de Machado, analisar, em perspectiva comparada, o lugar de visibilidade da herança afrodescendente em Aleksander Púchkin (1799-1837) na literatura russa e Machado de Assis (1839-1908) na literatura brasileira. Perceber, entre margem e centro, a voz plural e inovadora do autor russo, seus caminhos até o outro. Em Puchkin, a viagem. Fronteiras possíveis. O olhar para si que se deixa atravessar pela diferença. Em Machado, seu olhar para as máscaras sociais e para a escravidão. Nesses autores, marcas em sua literatura que formam a sua casa e o seu tempo, em diálogo com a modernidade. Na abertura para o outro, leituras onde o que estava no lugar do cânone também se modifica, escurecendo o imaginário nos novos contextos.

Primeiras linhas
Escurecer a folha. Uma escolha, um gesto. Penso na página feita de pedaços, vestígios. Machado em seu contexto afrodescendente. Nesse colar e recolar, no escurecimento da folha, percursos de encontro com Machado, em suas marcas de alteridade, e pensar o ser negro em Púchkin. Nesse olhar, ele e Machado se aproximam. E resolvo perguntar: de que modo estar fora do centro provoca e marca o espírito agudo de sua escrita? Esse espaçamento onde se é o mesmo e o outro. E resolvo olhá-los no papel – em vestígios – no mapa. Pela marca de uma idade antiga, um retrato com pistas das diásporas, dispersões, distâncias. Na reinvenção do cânone, no diálogo entre a literatura russa e a literatura brasileira.

Púchkin me faz procurar no mapa. O lago Chad. O local de origem de seu bisavô materno. Por causa de Púchkin nascem para mim novos pontos, fendas, relíquias. Fazer a pergunta sobre o risco, ou fenda, essa demora para que algo ali se instale. Sobre os silêncios, um olhar em direção a, um olhar em movimento que se abre como pergunta. Ser negro, dizer a negritude. Sim, ainda é preciso dizer. Ainda há surpresas. O leitor comum ainda se espanta e ouvimos a pergunta, Machado de Assis, agora eu sei, agora sabemos, mas… e Púchkin também?

Ode à liberdade. O céu africano

Púchkin, nascido em Moscou em 1799, é celebrado como o fundador da literatura russa moderna e as diferentes gerações de autores russos dialogam e se deixam atravessar pelo olhar inovador em sua obra. Por seus escritos sobre a liberdade e seu assim considerado “espírito subversivo”, foi exilado em Odessa e esteve também confinado na propriedade da família em Mikháilovskoie, até lhe ser permitido viajar novamente a Petersburgo. Lá ele conhece Natália Gontcharóva, com quem se casaria. Púchkin morre após o duelo com o barão D’Anthès, em 1837.

Amigos muito próximos de Púchkin foram revoltosos de zembristas e se inspiram em seus escritos, como no seu Ode à Liberdade, para se opor à opressão do regime tsarista e exigir reformas por parte de Alexandre I, que abandonara a implementação de uma política liberal. Com a morte do tsar, sufocados por seu sucessor, o repressivo Nicolau I, cinco amigos de Púchkin foram enforcados. Nos arquivos da época, lemos o depoimento prestado por P. Bestújev depois da revolta de 14 de dezembro de 1825: “As ideias liberais germinaram em meu cérebro depois da leitura de alguns poemas manuscritos, tais como Ode à Liberdade, O Populacho, Meu Apolo, e de certas cartas devido às quais nosso célebre poeta Púchkin fora im portunado”. Púchkin não participou do levante por estar no exílio. Mas agentes tentam implicá-lo na revolta. Será poupado por Nicolau I, mas este se autonomeará censor de suas obras.

 

Leia a pesquisa completa 

Púchkin e Machado, o ser negro, formas de ouvir o outro

 

Leia Também: 

Aleksandr Pushkin

Grandes Reis e Rainhas da África

 

 

 

+ sobre o tema

Amílcar Cabral líder africano

Afonso Van-Dúnem “Mbinda” considerou Amílcar Cabral um “ícone do...

Beyoncé se torna a pessoa com mais Grammys na história da premiação

Beyoncé ganhou quatro prêmios no Grammy 2023 e se tornou...

Cientista publica primeiro genoma de homem negro

Esta semana está sendo especial para os negros não...

para lembrar

Nova encarnação do Chic, de Nile Rodgers, solta primeira faixa de novo disco

A nova versão do Chic, influente grupo de disco...

Como surgiu o 1º personagem negro da turma de Charlie Brown

São Paulo – No dia 4 de abril de...

Milhares de corinthianos vão a Itaquera, para proteger a arena Corinthians

  Com boatos de que manifestantes, entre os quais skinheads,...

TATUÍ: “Semana da Consciência Negra”

Fonte: Itu.com.br   A cidade de Tatuí terá...
spot_imgspot_img

Clara Moneke: ‘Enquanto mulher negra, a gente está o tempo todo querendo se provar’

Há um ano, Clara Moneke ainda estava se acostumando a ser reconhecida nas ruas, após sua estreia em novelas como a espevitada Kate de "Vai na...

Podcast brasileiro apresenta rap da capital da Guiné Equatorial, local que enfrenta 45 anos de ditadura

Imagina fazer rap de crítica social em uma ditadura, em que o mesmo presidente governa há 45 anos? Esse mesmo presidente censura e repreende...

Peres Jepchirchir quebra recorde mundial de maratona

A queniana Peres Jepchirchir quebrou, neste domingo, o recorde mundial feminino da maratona ao vencer a prova em Londres com o tempo de 2h16m16s....
-+=