Para Débora Maria, do movimento Mães de Maio, a luta contra a violência temsofrido um desgaste causado pelo Judiciário e pela mídia; Em São Paulo, ela e diversos integrantes de movimentos como MTST, MPL e SPM participaram de debate sobre a recente criminalização nas cidades
Por Vanessa Ramos,
“Ao mesmo tempo em que o Judiciário mata dez vezes mais com uma canetada, a grande imprensa segue com seu papel de não representar fielmente os movimentos sociais e a realidade das periferias urbanas.” A constatação de Débora Maria da Silva, integrante do movimento Mães de Maio, resume bem o tom do debate sobre a criminalização nas cidades que ocorreu ontem (24), em São Paulo, na sede da Fundação Rosa Luxemburgo.
O evento, que teve o apoio do portal Ponte, contou com depoimentos sobre a atual resistência dos movimentos sociais diante da intensificação dos mecanismos de repressão. Além de Débora, que perdeu o filho há oito anos durante os chamados Crimes de Maio – quando cerca de 600 pessoas foram assassinadas por policiais – e outros militantes sociais, a atividade reuniu ainda apoiadores e jornalistas.
“Quando fazemos essa discussão, estamos exigindo democracia porque o governo do Estado de São Paulo é fascista, criminaliza e não dialoga conosco”, pontuou Débora.
Já Josué Rocha, do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), garantiu que a repressão se intensificou no último período. Como exemplo disso, citou a violência cometida pela tropa de choque da Polícia Militar de São Paulo, na manhã do dia 16 de setembro, contra moradores sem-teto ligados à Frente de Luta por Moradia (FLM) que ocupavam há cerca de seis meses o Hotel Aquarius, um edifício antigo e abandonado no centro da capital paulista.
“Temos sofrido um desgaste causado pelo Judiciário e pela mídia por meio de jornais como o Estadão e a Folha de S.Paulo. A gente analisa que, em um curto espaço de tempo, haverá um aumento da repressão”.
Para Débora, a violência policial não é recente, mas se especializa com o passar dos tempos. “Ao longo dos anos tivemos que aprender a nos defender porque o estado paulista não assume que foram os policiais que mataram os nossos filhos, mas o governador [Geraldo Alckmin] é o responsável pela tropa. Meu filho me deu a missão de lutar e eles não vão viver alimentados pelo meu medo.”
Indignação comum
Já Roberval Freire, do Serviço Pastoral dos Migrantes (SPM), fez referência à morte do vendedor ambulante Carlos Augusto Muniz Braga, assassinado por um PM no último dia 18. “A polícia está com o poder de reprimir todo o pessoal desarmado que vende mercadorias nas ruas. Além disso, o discurso autoritário parece estar em moda nas eleições, como a defesa da redução da maioridade penal e o linchamento público incentivado pelos meios de comunicação, que estimulam a justiça pelas próprias mãos.”
Débora ainda afirmou que os mecanismos de repressão favorecem os empresários. “É repudiante que pagamos com os nossos salários duas vezes o matador; aquele que aperta o gatilho. A Lei Delegada significa para nós a lei dos milicianos, porque não é só no Rio de Janeiro que existe isso, aqui também. Sabemos que quem matou os nossos filhos foram grupos de extermínio ligados aos milicianos porque os que estavam sendo prejudicados na época com os ataques eram os empresários de transportes coletivos e os banqueiros.”
Heranças autoritárias
Por sua vez, o advogado Renan Quinalha, da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo, contou sobre dois casos diferentes, sem dizer nomes a princípio. Um envolveu um homem branco que foi capturado por militares, torturado e que teve o corpo mutilado, enterrado mais de uma vez e foi tido como desaparecido. O outro, um homem negro, capturado por policiais, torturado por sufocamento, morto e que também desapareceu.
As histórias parecem ter ocorrido no mesmo ano ou período. Mas, o primeiro caso diz respeito ao deputado Rubens Paiva, cassado pela ditadura, morto em 1971. E o segundo caso, 42 anos depois, se refere ao ajudante de pedreiro Amarildo Dias, assassinado em julho de 2013.
Renan exemplificou que as situações de violência e autoritarismo fazem parte do presente, não apenas do passado. “Há uma judicialização [da luta] e o direito está se tornando central. O Ministério Público e o Judiciário precisam mudar para que exista uma transformação democrática de fato”, apontou como alternativa.
Mariana Toledo, do Movimento Passe Livre (MPL), lembrou também que as prisões de militantes que lutam tanto por um transporte de qualidade quanto pelo fim das tarifas abusivas do transporte é um retrato de como os mecanismos de controle se estabelecem. “Com o avanço da criminalização, tivemos que debater a violência no Judiciário. Sabemos que todo encarceramento em massa é para controlar a população, os movimentos e as periferias”.
Fonte: Brasil de Fato