Empregos domésticos: serviços “essenciais” ou necessidades “coloniais”?

O prefeito de Belém, Zenaldo Coutinho (PSDB), anunciou hoje, (07/05/2020), que as empregadas domésticas estariam dentro dos serviços essenciais no período de Lockdown – fechamento total de vias e comércios considerados não essenciais por 10 dias. A decisão do prefeito tem como base o decreto estadual assinado pelo governador do Pará, Hélder Barbalho (MDB). A informação causou revolta por parte das pessoas que lutam por dignidade e respeito às profissionais do serviço doméstico.

A lei Federal (13.979), sancionada para o enfrentamento à pandemia no Brasil, não lista o serviço doméstico como essencial. Portanto, a decisão tomada em Belém por optar em expor às trabalhadoras domésticas sob os riscos de uma pandemia difere do entendimento nacional. 

A branquitude, como fundante da escravidão e mantedora dos seus resquícios escravocratas, dialoga com a permanência da mentalidade e prática da maioria dos serviços considerados subalternos, a exemplo do trabalho doméstico. O prefeito de Belém, por ser e defender a manutenção dos moldes da casa grande, justificou o injustificável em seu twitter: “uma médica ou médico, por exemplo, precisa de alguém que ajude em casa.”

Quando ele fala em “ajuda” descaracteriza totalmente o serviço doméstico como profissão no Brasil. E o trato profissional requer regularização, direitos, seguridade, salários dignos. Salientamos que o serviço doméstico foi o último a ser regulamentado no país. Em 2013, governo Lula, a PEC das domésticas foi votada pelo legislativo, sendo o único contrário a regularização o atual presidente Jair Bolsonaro.

A rapper e historiadora carioca, Preta Rara, lançou um livro em 2019 chamado “Eu, empregada doméstica”, onde ela reúne uma série de relatos desumanos que estruturam o ofício doméstico no Brasil. Em sua maioria, desempenhado por mulheres negras e periféricas. Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta que em 2018, mais de 6,24 milhões de mulheres negras estão no serviço doméstico. Os dados revelam que, mesmo com a implementação da PEC, as domésticas têm uma das piores escalas salariais e a maioria ainda estão na informalidade, sem carteira assinada.

O posicionamento dos governantes de Belém e do Pará reafirma a estrutura do racismo no Brasil. Nós, mulheres negras, estamos na base da pirâmide sócio racial, suscetíveis a todos os tipos de violências (morais, físicas e simbólicas). Desde sempre, a nossa luta é por humanidade. O direito à humanidade abre portas para que as trabalhadoras domésticas tenham a sua vida assegurada em qualquer instância. No contexto da pandemia, que elas possam ter o direito à quarentena com seus devidos salários e sem ter que deixar seus filhos sem amparo, sejam protegidas da contaminação de Covid-19 e, assim, possam resguardar seus familiares do contágio; e não precisem pegar dois, três transportes para atender os caprichos da casa grande que, do alto dos seus privilégios, definem como essencial o que é, obviamente, colonial.

FONTE

<https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2020/05/06/belem-inclui-domesticas-entre-servicos-essenciais-durante-lockdown.htm > Acesso em 07 de maio de 2020.

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/L13979.htm> Acesso em 07 de maio de 2020.

<https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2019/02/08/empregada-domestica-recorde-sem-carteira-assinada.htm > Aceso em 07 de maio de 2020.

<http://g1.globo.com/economia/seu-dinheiro/noticia/2015/06/regulamentacao-dos-direitos-das-domesticas-e-publicada.html > Acesso em 07 de maio de 2020.

<https://www.brasildefato.com.br/2019/10/08/preta-rara-a-senzala-moderna-e-o-quartinho-da-empregada > Acesso em 07 de maio de 2020.


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