O lado africano do tráfico

Um breve resumo do tráfico transatlântico de escravos –Parte VI

Do lado africano, a enorme diversidade humana e ambiental do continente faz com que seja difícil analisar as trocas comerciais da África como um todo. De fato, o tráfico de escravos não expandiu nem diminuiu em todas as áreas da África ao mesmo tempo: uma série de expansões (e quedas) acentuadas em regiões específicas contribuíram para uma tendência composta mais gradual para a África subsaariana como um todo. Cada região exportadora viveu um grande aumento na quantidade de escravos fornecidos para o tráfico transatlântico e, quando isso acontecia, o mais comum era que ela continuasse a exportar um bom número de escravos por um período de um século ou mais. As três regiões que forneceram o menor número de escravos — Senegâmbia, Serra Leoa e Costa do Barlavento — atingiram esses níveis mais altos durante períodos bem mais curtos.

por David Eltis (Emory University) no Slave Voyages

negrieo 08

No terceiro quartel do século XVIII, todas as regiões tinham sido submetidas a uma intensa expansão das exportações de escravos. Um carregamento de escravos podia ser obtido em determinados pontos ao longo de toda a costa ocidental da África. Com o início do boom do café e do açúcar brasileiros, perto do final do século XVIII, os traficantes dobraram o Cabo da Boa Esperança e foram até o sudeste da África para encher seus navios. Mas embora o tráfico de escravos penetrasse boa parte da costa africana, seu foco era tão concentrado em determinadas regiões africanas quanto o era em determinadas nações europeias transportadoras de cativos. A África Centro-Ocidental — o longo trecho de costa que vai do sul do cabo Lopez até Benguela — enviava a cada quarto de século mais escravos do que qualquer outra parte da África, com exceção de um período de cinquenta anos entre 1676 e 1725. De 1751 a 1850, essa região forneceu quase a metade de toda a força de trabalho africana nas Américas; no meio século após 1800, a África Centro-Ocidental produziu mais escravos do que todas as outras regiões africanas juntas. De modo geral, o centro de gravidade do volume do tráfico se localizou na África Centro-Ocidental até 1600. Em seguida, foi se deslocando lentamente para o norte, até cerca de 1730, retornando a partir daí gradualmente a seu ponto de partida até meados do século XIX.

Além disso, os escravos partiam de um número relativamente pequeno de portos de embarque em cada região africana, embora suas origens e etnias fossem altamente diversificadas. Embora Uidá, na Costa dos Escravos, fosse outrora considerado o porto negreiro mais movimentado no continente africano, atualmente julga-se que ele tenha sido superado por Luanda, na África Centro-Ocidental, e Bonny, no golfo de Biafra. Luanda sozinha despachou cerca de 1,3 milhões de escravos, e estes três portos mais ativos juntos foram responsáveis por 2,2 milhões de partidas de escravos. Em cada um desses portos, o tráfico assumiu características específicas e seguiu perfis temporais bastante distintos. Luanda já participava ativamente do tráfico de escravos na década de 1570, quando os portugueses estabeleceram uma base por lá, e continuou ativa ao longo do século XIX. Uidá forneceu escravos durante um período mais curto, por cerca de dois séculos, e foi um porto dominante apenas nos trinta anos anteriores a 1727. Bonny, provavelmente o segundo maior ponto de embarque na África, forneceu quatro de cada cinco escravos que exportou no curto intervalo de oitenta anos entre 1760 e 1840. Não é de estranhar, portanto, que possam ser percebidas algumas ligações sistemáticas entre a África e as Américas. À medida que avança a pesquisa sobre a questão das conexões transatlânticas, vai ficando mais claro que a distribuição dos africanos no Novo Mundo não é de modo algum aleatória, tal como se dá com a distribuição de europeus. Oitenta por cento dos escravos que rumaram para a região sudeste do Brasil foram levados da África Centro-Ocidental. A Bahia comerciou em proporções semelhantes com o golfo do Benim. Cuba representa o extremo oposto: nenhuma região africana forneceu mais de 28 por cento da população escrava dessa região. Quanto aos EUA, a maioria das importações se situa entre esses dois extremos, sendo provenientes de diversas regiões costeiras que foram se diversificando à medida que o tráfico com a África se expandia e incluía novos povos.

leia também: 

Um breve resumo do tráfico transatlântico de escravos PARTE I
A escravização de africanos PARTE II
Agência e resistência africanas PARTE III
Primeiras viagens negreiras PARTE IV
Império e Escravidão PARTE V

+ sobre o tema

José Sabóia

José Sabóia do Nascimento (Almadina BA 1949) {gallery}artes/saboia{/gallery}...

Cineasta brasileiro lança nos EUA filme com elenco de atores negros

Através do riso, ele quer fazer a gente pensar....

Entrevista – Otavio Ianni: O Preconceito Racial no Brasil

  Na entrevista realizada no dia 11 de dezembro passado,...

para lembrar

Morre ator Antônio Firmino, no Rio

O ator Antônio Firmino foi encontrado morto dentro de...

Anelis Assumpção: Meu feminismo está em mutação assim como o feminismo no mundo

A cantora e compositora Anelis Assumpção, que fala sobre...

Prefeitura de Santo André comemora mês da Consciência Negra

Para homenagear o Dia da Consciência Negra, celebrado em...

Lançamento doc Não Vão Nos Calar – O Ilú Lava a Mentira

Denunciando a mentira da suposta abolição da escravatura, através...
spot_imgspot_img

Ilê Aiyê celebrará 50 anos com show histórico na Concha Acústica do TCA

O Ilê Aiyê, primeiro bloco afro do Brasil, vai comemorar seu cinquentenário em grande estilo com um espetáculo histórico na Concha Acústica do Teatro...

Diálogos sobre a África

A diversidade linguística e cultural da África, suas formas de organização política, suas matrizes científicas, filosóficas e espirituais estão presentes em nosso dia a...
-+=