ONU vai investigar violência contra africanos e afrodescendentes no Brasil

Mecanismo de justiça racial busca entender esforço brasileiro para combate à discriminação racial

Emler (Mecanismo Internacional Independente das Nações Unidas para Promover a Justiça Racial e a Igualdade no Contexto da Aplicação da Lei) visitará o Brasil de 27 de novembro a 8 de dezembro.

Criada e liderada por africanos e afrodescendentes, a coalizão internacional aborda o racismo em uma escala global, que produz historicamente opressões perpetuadas pelo colonialismo e o tráfico transatlântico de pessoas escravizadas.

Em 25 de maio de 2020, o mundo foi sufocado com a notícia da morte de George Floyd. Seu assassinato deu início à união de organizações sociais ao redor do mundo, que hoje formam a Unarc (Coalizão Antirracismo das Nações Unidas), e motivou um debate sobre o racismo e abuso de poder cometidos por aplicadores da lei contra africanos e afrodescendentes.

Com base nas discussões, a ONU (Organização das Nações Unidas) criou um relatório especial sobre justiça racial, em 2021. O documento resultou na criação de uma agenda em quatro pontos, com recomendações para a extinção do racismo sistêmico e das violações a direitos humanos cometidas por agentes da lei.

A Agenda para Mudança Transformadora para Justiça e Igualdade Racial, como é chamada em português, convoca os Estados a se mobilizarem em busca da justiça, a ouvirem vítimas e a corrigirem seus sistemas de segurança.

Tais movimentações institucionais deram origem ao Emler. O mecanismo tem como principal função escutar vítimas, organizações da sociedade civil e autoridades públicas acerca da violência perpetuada contra afrodescendentes.

Criado a partir de uma coalizão transnacional de instituições antirracistas, a coordenação da visita no Brasil será construída pelo fruto desta incidência, a Unarc.

A coalizão opera com a premissa de que comunidades e ativistas são agentes de mudança especializados na produção cotidiana de políticas para o bem viver.

Acredita-se que suas produções políticas são conscientes do que é necessário para suprir a ausência dos bens públicos básicos, como saúde, educação, cultura, acesso a cidade e segurança.

A segurança pública é o serviço que, ao longo da história moderna, vem negligenciando pessoas de ascendência africana ao redor do mundo. Por isso, a ONU, maior organização internacional do Sistema Internacional de Direitos Humanos, foi compelida a investigar as violências perpetuadas contra grupos racializados.

Um desses espaços de escuta e denúncia é possibilitado pelo Emler por meio da visita a países e regiões para promoção de consultas com Estados, indivíduos, comunidades afetadas, e outras partes interessadas sobre a promoção da igualdade na aplicação da lei para pessoas negras.

Levando em conta uma abordagem interseccional e priorizando a escuta das demandas civis, o mecanismo já visitou a Suécia, o Chile e os Estados Unidos.

No Brasil, a missão, composta pela especialista americana Tracie Keessee e pelo argentino Juan E. Mendez, visitará ao menos quatro cidades, além de Brasília.

Durante a missão, o mecanismo buscará entender os esforços brasileiros para combater o racismo estrutural e institucional, o uso excessivo da força por parte de agentes aplicadores da lei, e outras violações de direitos humanos perpetradas contra pessoas africanas e afrodescendentes.

Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública elucidam o porquê da escolha pelo país em 2023. De acordo com o levantamento, 83% dos mortos pela polícia em 2022 no Brasil eram negros, e 76% deles tinham entre 12 e 29 anos.

No mesmo ano, identificou-se que 43,1% da população carcerária era composta por jovens afrodescendentes de até 29 anos, que representavam 68,2% das pessoas em privação de liberdade.

A Unarc se junta ao mecanismo em um esforço de favorecer e ampliar o acesso de pessoas negras às ferramentas disponíveis no sistema ONU.

A coalizão compreende que o contexto de violência que incide intermitentemente sobre corpos negros foi construído, solidificado e projetado na história internacional e, portanto, é essencial mudarmos esta narrativa de forma coletiva.

Organizações interessadas em construir coletivamente um novo sistema de justiça, com mais igualdade racial em todos os serviços e práticas públicas a nível nacional e internacional, podem se inscrever online.


Emerson Caetano

É coordenador da visita do EMLER ao Brasil e consultor da Coalizão Antirracismo das Nações Unidas. Formado em relações internacionais pela UERJ, é especialista na intersecção entre raça e direitos humanos.

Nayara Khaly Silva Sanfo

É consultora fellow da Coalizão Antirracismo das Nações Unidas e do Serviço Internacional de Direitos Humanos. Mestranda em relações internacionais pela UFABC, pesquisa interseccionalidades de gênero e raça nas migrações internacionais no Brasil

+ sobre o tema

Quando raposas tomam conta do galinheiro, por Maurício Pestana

por Maurício Pestana  A expressão acima, dito popular...

Obama para de fumar e Michelle está ‘orgulhosa’

A luta contra o vício foi um dos temas...

Juízes lançam nota de repúdio à Condução Coercitiva de Lula

Juízes divulgam nota em que afirmam que não se...

para lembrar

ONU afirma que Brasil é o país que mais diminuiu a fome

Karina Cardoso O Brasil é o país no mundo que...

ONU aprova resolução histórica sobre direitos LGBT

Reunido em Genebra, o Conselho dos Direitos Humanos das...

Quase 80% da população brasileira que depende do SUS se autodeclara negra

Estudos e estatísticas oficiais de saúde apontam que as...

Chefe de direitos humanos da ONU sobre o assassinato de liderança indígena no Amapá

Pronunciamento da alta-comissária da ONU para os Direitos Humanos,...

O precário e o próspero nas políticas sociais que alcançam a população negra

Começo a escrever enquanto espero o início do quarto e último painel da terceira sessão do Fórum Permanente de Pessoas Afrodescendentes, nesta semana na...

Líderes da ONU pedem mais ação para acabar com o racismo e a discriminação

Esta terça-feira (16) marcou a abertura na ONU da terceira sessão do Fórum Permanente de Afrodescendentes, que reúne ativistas antirracismo, pessoas defensoras dos direitos...

Brasil finalmente considera mulheres negras em documento para ONU

Finalmente o governo brasileiro inicia um caminho para a presença da população afrodescendente no processo de negociação de gênero na Convenção-Quadro das Nações Unidas...
-+=