Candidatos brancos se declaram negros em 2022 para manter o poder no Legislativo

É preciso denunciar candidaturas que burlam regras que visam combater o racismo na política

Fomos educadas a nunca (nunca!) subestimar o racismo. A militante do movimento negro, da luta das mulheres negras e ex-ministra de Igualdade Racial no governo Dilma Rousseff, Luiza Bairros, sempre disse que quando você pensa em ter enquadrado o racismo, ele está lá: sorrindo, cínico, na próxima esquina.

Na mesma linha, disse o filósofo e psiquiatra Frantz Fanon: “o racismo obedece a uma lógica sem falhas”. Dito isso, não nos surpreende que políticos nunca antes identificados como negros, por si e pelos outros, justamente este ano, tenham mudado o seu pertencimento racial no registro do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

As regras eleitorais avançaram em 2021 com o intuito de resolver uma problemática histórica: pessoas negras e mulheres estão subrepresentadas nos Legislativos e Executivos de todas as esferas políticas no Brasil. Mais do que isso, dentro dos partidos, sejam eles de esquerda ou de direita, pouco ou nada se fez para alterar este cenário.

As iniciativas anteriores a 2021 criaram um movimento nos partidos políticos de incluir candidaturas de mulheres nas chapas, para constar e alcançar os benefícios disso, descartando-as depois. O movimento de construção e fortalecimento destas candidaturas não se deu de fato.

Conformar chapas trazia vantagens, mas eleger não. Logo, mobilizar mulheres tornou-se uma preocupação que só se dava às vésperas da eleição. Já em 2021, a Emenda Constitucional 111 de 28 de setembro adotou novas regras para incentivar a efetiva eleição de mulheres e pessoas negras à Câmara dos Deputados: “os votos dados a candidatas mulheres ou a candidatos negros para a Câmara dos Deputados nas eleições realizadas de 2022 a 2030 serão contados em dobro”, afirma um trecho.

Segundo a Agência Câmara de Notícias, essa medida definirá também o dobro de tempo do partido no rádio e na TV, bem como tornará a distribuição do fundo eleitoral proporcional às candidaturas de pessoas negras.

Essas novas mudanças avançaram, criando mais estímulos para os partidos investirem, de fato, nessas candidaturas e é neste ponto estratégico de virada que nos encontramos.

Aqueles que, provavelmente, não concordam com a relevância do enfrentamento ao racismo, das ações afirmativas e outras que visam promover a igualdade e a democracia, resolvem não se convencer da importância, mas se valem da autodeclaração e princípio da boa-fé, alterando, desonestamente, o registro do seu pertencimento racial no TSE.

É necessário que haja denúncias e sanções para as candidaturas que burlam as regras que visam combater o racismo na política. Caso isto não ocorra, assistiremos escoar pelo ralo os efeitos esperados das medidas de estímulo e fortalecimento das candidaturas e corpos legislativos negros e, no final, perceberemos poucas mudanças.

Os reacionários buscarão atestar ao grande eleitorado a ineficácia das medidas, quando, na realidade, o que se deu foi um grande e bem orquestrado boicote. Avançamos, mas o racismo ri cínico nos olhando na próxima esquina, para operar na manutenção da ordem racial vigente.

Contra o racismo, sexismo e misoginia, nem um passo atrás!

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