#primeirainfanciasemracismo
No dia 13 de julho de 2022 comemora-se 32 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Trata-se de um momento de celebração, afinal é um direito conquistado pela sociedade, marcado pela participação popular e é um avanço na cultura de direitos. A celebração gira em torno de contemplar um instrumento jurídico-político que reelabora o olhar social sobre os direitos das crianças e adolescentes e sua participação na sociedade. O ECA demarca a transição entre a Doutrina da Situação Irregular, em que crianças e adolescentes eram vistas como sujeitos de direito apenas em contextos de irregularidades e ilegalidades, para a Doutrina da Proteção Integral, que representa um avanço no que diz respeito aos direitos sociais de crianças e adolescentes, referendado nacionalmente pela Constituição Federal de 1988 e por mecanismos internacionais como a ONU.
Ao falar do ECA em sua fundamentação, é importante olhar para o artigo 227 da Constituição Federal que declara:
“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)
Ao longo desses 32 anos foi possível perceber a importância do ECA, e também suas lacunas, principalmente no que diz respeito às crianças e adolescentes negros e negras, pois são eles e elas que permanecem muito próximos da doutrina da situação irregular, e afastados de todos os direitos sociais assegurados constitucionalmente e declarados no artigo 227.
Convivemos com o fato de que a cada 23 minutos morre um jovem negro no Brasil; as crianças negras têm muito mais chances de morrer por causas evitáveis do que crianças brancas; as meninas negras são as principais vítimas de violência sexual; crianças e adolescentes negros são maioria nos índices de trabalho infantil, são também os mais desassistidos no acesso e permanência na educação básica; estão mais expostas e expostos aos conflitos territoriais seja nas periferias, nas comunidades quilombolas ou nos territórios indígenas; sofrem os impactos ambientais, a exemplo de crianças atingidas por barragens e grandes empreendimentos ambientais; foram as principais vítimas da orfandade causada pela Covid-19, entre outras desigualdades que se estendem para todas as áreas de direitos sociais.
Nesse sentido, é imprescindível que haja um compromisso no engajamento de todos os agentes responsáveis pela garantia dos direitos de crianças e adolescentes, assim como por ações de proteção e cuidado a partir das desigualdades raciais, com políticas públicas direcionadas a crianças e adolescentes negros e negras, articuladas com as políticas e programas de enfrentamento ao racismo para a garantia de direitos e a prioridade absoluta.
Como saída para o rompimento com a invisibilização e tornar eficaz ações de proteção e a garantia de direitos de crianças e adolescentes negros, destaca-se a atuação política dos movimentos negros, que segundo Letícia Carvalho (2022), com sua atuação nos espaços de deliberação e proposição de políticas inclusivas e equânimes, em que a primeira infância negra é colocada no centro, todas as crianças e adolescentes são beneficiados. (CARVALHO, 2022, p.12)
Além do necessário fortalecimento da participação social, outro fator que evidencia a gravidade do cenário vivenciado por crianças e adolescentes no Brasil, em especial negras e negros, é a falta de investimento público. Esse é um cenário que se agrava a cada dia impactado pelo atual contexto político do país, pois há um desmantelamento de políticas públicas voltadas à promoção dessa parcela da população, em razão da negligência do governo na promoção e manutenção de políticas sociais, além de um posicionamento hostil aos movimentos sociais e as/os defensores de direitos humanos. Como se não bastasse, identificamos também no atual contexto uma narrativa de incitação ao ódio e à violência, além de outros posicionamentos em defesa de políticas de retrocessos, como a redução da maioridade penal.
Em resposta a todas essas ameaças que os direitos das crianças e adolescentes vêm sofrendo no Brasil, é importante destacar a resistência da sociedade civil organizada e dos movimentos sociais. No dia 11 de julho, aconteceu uma audiência pública no Congresso Nacional com o tema: Direitos da Criança e do Adolescente no Brasil: 32 anos do ECA, com a presença de representantes do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda): Diego Alves, Maria Fernandes do Couto e Erik Jonathan; representando a sociedade civil na coordenação da Frente Parlamentar Mista de Promoção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente no Congresso Nacional a Letícia Leobet, de Geledés; o representante da Agenda 227, Veet Vivarta; o médico pediatra do Hospital Presidente Vargas (Porto Alegre/RS), Alexandre Bublitz; e a Procuradora do Trabalho, Ana Maria Villa Real. A ação teve como objetivo apresentar o preocupante cenário, exigir o compromisso dos parlamentares com o enfrentamento dos retrocessos nos direitos das crianças e adolescentes, assim como com ações de ampliação e garantia de direitos.
Outra importante ação a destacar é a Agenda 227, um movimento da sociedade civil que tem como objetivo colocar crianças e adolescentes no centro da construção de um Brasil mais justo e inclusivo a partir das eleições de 2022, que de forma coletiva elaborou um conjunto de propostas políticas e de ações de governo a serem apresentadas às candidaturas à presidência da república, visando a incorporação nos planos de governo e sua execução a partir de 2023.
Quanto às ações de Geledés, é importante afirmar que sempre estivemos muito atentas e atuantes na garantia de direitos de crianças e adolescentes negras e negros. Atualmente, estamos em articulação com outras dez organizações, de todas as regiões do Brasil, que pactuam e elaboram estratégias de incidência política para a valorização das diversidades na infância, bem como para a efetivação do pleno desenvolvimento infantil a partir do enfrentamento ao racismo. São elas: AME, CEDENPA, COLETIVA MAHIN, CONAQ, CRIOLA, MÃE ANDRESA, IMENA, NZINGA, MAKIRA ETA E RENAFRO.
Entendemos que não é possível a efetivação da garantia de direitos sociais sem que haja como prioridade o enfrentamento ao racismo, desde a primeira infância.
Para conhecer um pouco mais sobre essa iniciativa e outras relacionadas à garantia dos direitos das crianças e adolescentes recomendamos algumas de nossas publicações:
Primeira infância no centro: só existe o pleno desenvolvimento infantil a partir do enfrentamento ao racismo – https://www.geledes.org.br/primeira-infancia-no-centro/
Grupo Articulador faz incidência na Câmara dos Deputados para combater racismo na primeira infância – https://www.geledes.org.br/grupo-articulador-faz-incidencia-na-camara-dos-deputados-para-combater-racismo-na-primeira-infancia/
Infâncias indígenas e interculturalidade no Alto Rio Negro – https://www.geledes.org.br/infancias-indigenas-e-interculturalidade-no-alto-rio-negro/
Infância negra: uma (re)construção necessária – https://www.geledes.org.br/infancia-negra-uma-reconstrucao-necessaria/
Enfrentamento do racismo na primeira infância – https://www.geledes.org.br/enfrentamento-do-racismo-na-primeira-infancia/
Enfrentamento ao racismo desde a primeira infância: uma análise dos marcos legais sobre o tema – https://www.geledes.org.br/enfrentamento-ao-racismo-desde-a-primeira-infancia/
Referência:
CARVALHO, Leticia. Enfrentamento ao Racismo desde a primeira infância: uma análise dos Marcos Legais sobre o tema. São Paulo, 2021. Disponível em: https://www.geledes.org.br/enfrentamento-ao-racismo-desde-a-primeira-infancia/ . Acesso em 13 jul. 2022
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