Eu estava com quatorze anos quando fui contratado para trabalhar em uma fábrica de móveis. Os meus pais ficaram bastante contentes, a sensação de alívio transbordava no semblante de minha mãe. Também vibrei muito, era o primeiro registro na carteira de trabalho. Para um moleque preto, morador da periferia, o salário possibilitaria encher a barriga, ajudar a pagar as contas de luz e água, comprar roupas e passear com os amigos. Mas, apesar da minha aparente maturidade, eu não tinha a consciência crítica de que a inserção prematura no mercado de trabalho resultava do histórico de abandono do Estado, que não garantia justiça social para o povo negro. Por essa razão, muitas famílias negras contam com todos os moradores da casa para ajudar nas despesas. No entanto, a educação é colocada em segundo plano. Nós sabemos que as pessoas adultas sofrem para conciliar os estudos e o emprego, mas em se tratando dos adolescentes, agrava-se pela visão que têm de curto prazo e inclinação por intensa diversão. Diante disso, a evasão escolar de jovens negros ocorre em números preocupantes e constitui um dos problemas mais antigos da educação.
A empresa fabricava mesas, cadeiras, estantes, gabinetes para cozinha e guarda-roupas. Eu entrei no setor que lixava os móveis. O ambiente era temeroso, insalubre, havia muito pó de madeira suspenso no ar e cheiro forte de verniz. A empresa não se preocupava em fornecer equipamentos de proteção individual, apenas doses diárias de leite. Conforme o encarregado, aquilo era uma maneira de aliviar a intoxicação, mas eu nunca soube se tinha fundamento a informação. No setor trabalhava por volta de dez pessoas. Não me recordo o número exato. E como estímulo, a empresa oferecia “dinheiro extra” para os funcionários que tinham melhor produção. Isso tornava o ambiente bastante competitivo e conflituoso. O pessoal até almoçava rapidinho para ganhar tempo e produzir mais. Tinha gente que nem almoçava. Era uma loucura!
Depois de lixados, carregávamos os produtos até o setor de pintura. O problema é que os móveis grandes precisavam de duas pessoas no transporte. A questão era: quem iria parar o que estava fazendo para carregar o produto do companheiro? Daí o racismo falou mais alto. O pessoal elegeu o único negro do setor, e gritavam “ei, neguinho, me dá uma força!”. Eu não tinha sossego. Nos primeiros dias, até encarei de forma positiva, acreditava que sendo prestativo seria uma maneira de estreitar as amizades. Um tipo de comportamento que o racismo condiciona o negro na busca por aceitação.
Mas aquilo começou a me incomodar. Notei que o pessoal abusava e, além de tudo, estava atrasando a minha produção. Na terceira semana, o encarregado geral questionou a minha baixa produtividade. Eu expliquei sobre as interrupções frequentes, e mesmo assim ele alertou que eu poderia não passar na experiência. Após a conversa, resolvi não ser mais o capacho dos brancos. Eles não gostaram nem um pouco, por outro lado, a produção melhorou. No entanto, quando completei um mês na empresa, demitiram-me. No trecho da rescisão de contrato: inadequação à política da empresa e não comprometimento com o trabalho em equipe.
A minha vivência profissional continuou, e com o tempo aprendi que não importa qual o cargo que o negro ocupe. Do chão de fábrica ao mais alto, ele sempre estará sujeito a encontrar brancos tentando se aproveitar da sua força de trabalho.
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