Ser menina na escola: estamos atentos às violências de gênero?

Apesar de toda a luta feminista, leis de proteção às mulheres, divulgação de livros, sites, materiais sobre a valorização do feminino, ainda há muito o que lutar. Tanto que novos e muitos crimes, desrespeitos e violações dos direitos das mulheres são constantemente presenciados. De acordo com a Agência do Senado (2023), três a cada dez brasileiras já sofreram violência doméstica, considerando apenas uma das tantas estatísticas disponíveis. Entretanto, o que nem sempre as estatísticas mostram, são as violências nas escolas ligadas ao gênero. Ser menina em uma instituição escolar nem sempre é algo natural como muitos imaginam.

Historicamente, a escola entende de reproduzir as desigualdades (LOURO, 2014), portanto é necessário que toda a sociedade perceba em primeira instância que esse é um dos ambientes mais desiguais e inclusive perturbadores do convívio social. Isso porque ainda há tradições retrógradas como as filas separadas por gênero, as atividades e os esportes também separados, além de questões interseccionais como classe social, raça, religião, que agravam as distinções. A partir da sociedade patriarcal que herdamos e muitos cultivam ainda, a escola por vezes não consegue enxergar o quanto as meninas são frutos das violências ocorridas na sociedade em geral. E como a escola absorve comportamentos sociais, eis que a violência e o machismo se fazem presentes na escola também.

Quando abordamos as violências ligadas à mulher, imagina-se na escola os tipos clássicos, tais como brigas físicas e verbais, cyberbullying e bullying. No entanto, chama-se a atenção para outro tipo que não pode mais ser negligenciado: o assédio. Especialmente entre colegas, é visto com permissividade por muitas estudantes. Assim como fora dos muros escolares a luta por afirmação e respeito é diária, não é  diferente dentro desse ambiente. Conforme Abramovay (2002,p.53), “o assédio sexual pode ter graves consequências sobre os jovens, criando uma cultura permissiva, em que atos desse tipo não são vistos como sérios e passíveis de punição.” As meninas, quando escutadas, desaprovam  a negligência, a banalização desse tipo de violência. O assédio, por ser visto com descaso, é caracterizado como uma violência simbólica. O passar a mão, dar um tapinha, ofender com palavras sobre o corpo, são rotinas que muitas enfrentam. Acaso algumas pessoas ainda pensam que há igualdade entre meninas e meninos, talvez nunca perceberam que as práticas citadas não ocorrem entre os meninos, mas de meninos para meninas, como reflexo do machismo estrutural que a escola absorve. 

Outras e relevantes questões atravessam o cotidiano de muitas alunas na escola, no que diz respeito aos assédios. Para tanto, é fundamental o conceito de interseccionalidade, pois nos dão uma real dimensão dos fatores que implicam essa e outras violências: uma adolescente negra, não sofre as mesmas violências que uma branca ou uma lésbica, ou uma trans. Conforme esses aspectos vão atravessando o que cada uma representa, agrava-se o nível de violência. Carla Akotirene (2019) nos define que de acordo com a perspectiva da interseccionalidade, busca-se fornecer uma base teórico-metodológica que reconheça a inseparabilidade estrutural do racismo, do capitalismo e do cisheteropatriarcado, os quais são produtores de configurações identitárias nas quais as mulheres negras são frequentemente afetadas pela intersecção e sobreposição de gênero, raça e classe, dentro dos contextos dos modernos aparatos coloniais. 

Pois bem, para de fato entender e agir a respeito das violências contra as meninas na escola, uma simples mas fundamental atitude deve ser considerada: a da escuta ativa. Ativa, pois a partir do que for constatado, projetos, ações e novos olhares deverão ser lançados. É através da escuta que aprende-se a ouvir (FREIRE, 2003). Se o objetivo é o de uma educação emancipatória e democrática, somente conteúdos escolares não serão suficientes para transformar a Escola. E a transformação para um local de diversidade e igualdade, é improrrogável. Afinal, como nos ensina hooks (2017)  “ensinar de um jeito que respeite e proteja as almas dos nossos alunos é essencial para que o aprendizado possa começar do modo mais profundo e mais íntimo.”  Façamos da escola um espaço em que gênero seja discutido e que qualquer tipo de violência não seja validado, pois a Escola faz parte da rede de proteção de crianças e adolescentes, jamais deveria reproduzir as condutas violentas que tramitam socialmente.

Cristiane Rollsing Teixeira – Professora de História, Mestra em Educação pela Universidade La Salle, na área de Gênero e Sexualidade.

 Denise Quaresma da Silva – Pós Doutora em Estudos de Gênero, pesquisadora do CNPq e da Fapergs.


Referências:

ABRAMOVAY, Miriam (Org). Escola e Violência. Brasília: UNESCO, 2002. Disponível em: https://www.livrosgratis.com.br/ler-livro-online-30025/escola-e-violencia. Acesso em 7 fev.2024.

Agência do Senado. DataSenado aponta que 3 a cada 10 brasileiras já sofreram violência doméstica Fonte: Agência Senado. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2023/11/21/datasenado-aponta-que-3-a-cada-10-brasileiras-ja-sofreram-violencia-domestica. Acesso em: 7 fev. 2024.

AKOTIRENE, Carla. Interseccionalidade. São Paulo: Pólen, 2019.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia, saberes necessários à prática educativa. 26. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003.

hooks, bell. Ensinando a transgredir – a educação como prática da liberdade. 2.

ed. São Paulo: Martins Fontes, 2017.

LOURO, Guacira Lopes. Gênero, Sexualidade e Educação. 16. ed. Rio de Janeiro:

Vozes, 2014.


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