Feminismo é ideologia?

Ideologia é igual a mau-hálito: quem tem muitas vezes não sabe

Por Joanna Burigo Do Crata Capital 

O nível do debate é raso, e suas táticas, pueris. As feministas dizem que as mulheres não são obrigadas a ser dona de casa? Acusam-nos de obrigar outras mulheres a trabalhar fora

Dizem que ideologia é igual a mau-hálito: quem tem muitas vezes não sabe. Se o feminismo é uma ideologia, estariam as feministas cientes do próprio bafo?‬‬

Para Márcia Tiburi o feminismo não é uma ideologia, mas uma proposição dialética em que a diversidade é preservada e defendida, bem como um projeto filosófico que coloca em xeque a lógica da dominação.

Segundo Tiburi, o feminismo é “uma teoria prática que surge das condições concretas das relações humanas, enquanto essas relações são baseadas em relações de linguagem, que são relações de poder”.

O feminismo critica a sociedade patriarcal, e a feminista é alguém que pensa criticamente em possíveis leituras sociais organizadas fora da lógica da dominação masculina.

O projeto feminista não é ideológico no sentido que não visa trocar a ideologia vigente por sua oposta – como substituir o patriarcado pela dominação feminina, por exemplo – mas sim mover na direção de formas mais equânimes de viver em sociedade.

Chamamos de patriarcado a dominação masculina que se apresenta sob a forma de estruturas de poder. O patriarcado se anuncia na presença maciça e majoritária de homens em posições de comando, seja público ou privado, real ou simbólico.

Feministas se ocupam de apontar o ‪patriarcado como quer que ele se manifeste ao mesmo tempo em que elucidam que ele é um sistema cuja existência é real e evidenciada por misoginia e atos machistas.

A misoginia é o ódio ou aversão às mulheres, e machismo pode ser entendido como um senso excessivo de autoridade masculina ou virilidade agressiva. Nem sempre misoginia e machismo vêm juntos, nem exclusivamente de homens. ‬ ‬‬‬‬‬

A produção feminista é focada em falas e atos misóginos e machistas, pois através da linguagem é possível revelar a existência do patriarcado. Alertando sobre o poder de significação das palavras, o feminismo denuncia discursos preconceituosos e de ódio, e explica, com evidências teóricas e empíricas, o que acontece quando eles se materializam.

Propomos que a violência simbólica e a violência material são causa e efeito uma da outra ao indicar que insultos direcionados às mulheres por sermos mulheres resulta na naturalização de crimes como o feminicídio ou o estupro, até a aceitação de que participemos menos de decisões políticas.

Ainda assim, feministas são frequentemente, historicamente, e sistematicamente construídas como algo que não somos – notoriamente, por quem não vê, ou finge não ver, que vive sob uma ideologia de dominação masculina. Pois ela está aí. O patriarcado é a estrutura na qual a sociedade se escora. Observe como ela se apresenta.

A lógica da dominação masculina é arraigada, fomos todos constituídos dentro dela. Por causa disso acreditamos que ela é natural, e achamos tão comum que se diga às mulheres o que devemos ou não fazer.

É também por causa disso que qualquer indicativo de libertação de uma norma, algo que o feminismo propõe bastante, é rapidamente tomado como obrigação de cumprir uma norma oposta.

As feministas dizem que as mulheres não são obrigadas a casar, ter filhos, ser dona de casa, se depilar, ser bonita, etc? Acusam-nos de obrigar outras mulheres a ser solteiras,abortar, trabalhar fora, crescer os pelos, ser feias, etc.

É difícil manter diálogo com quem só quer ridicularizar o feminismo para manter a lógica da dominação masculina.

As feministas criticam o machismo dirigido a Marcela Temer pela revista misógina? Acusam-nos de ter inveja de sua beleza e recato. José de Abreu cospe em uma mulher? Quem nunca levantou um dedo pelo feminismo nos exige posicionamento – e tem que ser contra, senão nos acusam de partidarismo.

Milena Santos faz ensaio sensual em Brasília e esperam que seja essa seja a nossa preocupação, mesmo quando nossas análises indicam que estamos ocupadas com ensaios muito mais graves a se desenvolver na capital. As feministas propõem um projeto social mais inclusivo, e somos acusadas de querer emascular todos os homens.

Detratores do feminismo – seja por antipatia, ausência de conhecimento, ou teimosia ou os que refutam o feminismo por entenderem perfeitamente que o projeto ameaça suas posições de domínio – não hesitam em utilizar qualquer que seja o sofisma du jour para tentar deslegitimar o movimento.

Na ideologia do patriarcado – que segue a lógica da dominação, e usa poder e violência para manter-se como paradigma – os homens estão no domínio.

Para as mulheres, as narrativas da mídia são: descontrolada, bela e recatada, piriguete. Fala-se assim das mulheres: no emocional, no comportamento, na sexualidade. Não importa qual delas você defenda. E o feminismo entende que as mulheres são mais complexas do que isso.

Conhecemos bem o patriarcado. É nosso campo, objeto e instrumento de análise. Conhecemos os seus códigos, é na nossa pele que sua tentativa de domínio respinga. Ataques, controle, silenciamento, violência física, emocional, essas coisas denotam domínio: “aqui quem manda sou eu/somos nós”. É o patriarcado todinho.

A luta feminista é, e sempre foi, para que as mulheres – todas as mulheres – se libertem de amarras que sentem ter por serem mulheres, por saberem que passam por coibições pelas quais homens não passam.

Os homens também passam por coisas que as mulheres não passam, logicamente – mas esse é um argumento válido para qualquer comparação entre quaisquer eixos de identidade.

A construção da feminista como inimiga das mulheres é fomentada porque o feminismo explicita a lógica da dominação masculina. O projeto feminista não é perfeito, pois perfeição não existe em lugar nenhum. Mas é pelas mulheres.

E é resistente a sofismas. O projeto dialético feminista aprecia a lógica, é fundamentado na crítica, e é bem organizado nas alianças e nas diferenças. E como se não bastasse, a Beyoncé é nossa.

+ sobre o tema

Boston elege 1ª mulher prefeita após 200 anos governada por homens brancos

leita prefeita de Boston com bandeiras progressistas, Michelle Wu...

Seis mulheres indígenas que vale a pena seguir nas redes

Elas estão na linha de frente da luta contra...

Colômbia descriminaliza aborto até a 24ª semana de gestação

A Corte Constitucional da Colômbia decidiu, nesta segunda-feira (21),...

Exploração sexual na Espanha: uns traficam, outros montam o bordel

Fonte: UOL Notícias Mónica Ceberio Belaza e Álvaro de Cózar Em...

para lembrar

10 citas de grandes escritoras que desmitifican el feminismo

Publicado por Francisca Rivas Al oír la palabra “feminismo”, muchos piensan...

Feminista responde a leitores da BBC Brasil sobre igualdade de gênero

"Quero que os homens embarquem nessa luta para ajudar...

Com adesão de celebridades, feminismo entra no vocabulário pop

Defesa dos direitos das mulheres invade indústria do entretenimento...

Práticas Feministas no Meio Popular

“Olha, Bichona, amo meu companheiro, então criar os filhos...
spot_imgspot_img

Medo de gênero afeta de conservadores a feministas, afirma Judith Butler

A primeira coisa que fiz ao ler o novo livro de Judith Butler, "Quem Tem Medo de Gênero?", foi procurar a palavra "fantasma", que aparece 41...

Sonia Guimarães, a primeira mulher negra doutora em Física no Brasil: ‘é tudo ainda muito branco e masculino’

Sonia Guimarães subverte alguns estereótipos de cientistas que vêm à mente. Perfis sisudos e discretos à la Albert Einstein e Nicola Tesla dão espaço...

A Justiça tem nome de mulher?

Dez anos. Uma década. Esse foi o tempo que Ana Paula Oliveira esperou para testemunhar o julgamento sobre o assassinato de seu filho, o jovem Johnatha...
-+=