No Julho das Mulheres Negras e eu pergunto: Quando vamos começar o diálogo sobre responsabilização de racistas no mercado de trabalho?

2020 ficará conhecido como aquele ano em que ficou praticamente impossível voltar atrás em discussões sobre a importância de discutir questões etnicorraciais e o mercado de trabalho Das maneiras mais variadas, empresas, corporações, artistas, todo mundo decidiu assumir publicamente uma posição sobre o assunto e o maior consenso criado se deu em torno da ideia de : Tornar-se um aliado das pessoas negras (as vezes mencionam indígenas) e ensinar e aprender sobre o racismo.

Feito isso, as pessoas marcam lá um Done na sua lista de tarefinhas e seguem felizes mal cabendo em si de tanto orgulho de sua intensa contribuição para esse trabalho.

Algumas dessas pessoas até fizeram mais, abriram vagas afirmativas, assumiram compromissos com a elevação da proporção das pessoas negras em seu staff e até em posições de liderança, Parece um amanhecer em Wakanda né? Sinto dizer que: Não.

Enquanto mulher negra, ativista dos movimentos de mulheres negras, pesquisadora das questões etnicorraciais e trabalhadora há mais de 20 anos, posso afirmar que tem muito mais a ser discutido, e que sim, reconheço que a projeção alcançada por essa questão em 2020 é um caminho sem volta, no entanto é preciso dar profundidade sob o risco de nunca sairmos da epiderme.

Percebo a tão  vendida solução para o racismo no mundo do trabalho que vem sendo vendida por milhares de consultorias e experts (e algumas não tão experts assim), têmm passado pela ideia de assumir o compromisso e sensibilização, acerca do que significa o racismo, onde e como estão travestidas práticas e mecanismos racistas operados pelas empresas em seu cotidiano, mas existem dois pontos profundamente estruturante de qualquer discussão que pretenda ser levada com seriedade no que diz respeito a relações etnicorraciais: a responsabilização e a reparação.

Racismo é uma ideologia de dominação que se organiza em torno do estabelecimento de uma noção de superioridade branca e inferioridade negra. Essa forma de viver a vida em sociedade está presente e atravessa relações em todos os espaços que frequentamos. Constitui a subjetividade de pessoas que conscientes disso ou não a reproduzem e sustentam, Dessa forma, acreditar que inserir as pessoas negras nesses espaços ou garantir que até 2097  x % da liderança será negra, nao significa necessariamente o fim das violÊncias raciais para essa população, afinal hoje já somos a maioria. Somos a maioria da população brasileira e isso não impede que o Estado opere uma necropolítica, que o racismo institucional continue estruturando a incapacidade das instituições em nos atender propriamente de acordo com nossos direitos, então serio, vamos acabar agora com a ingenuidade de pensar que aumentar a quantidade é a única coisa a ser feita: É urgente pensar na qualidade das relações estabelecidas e criar mecanismos eficientes para interditar práicas que  tentem reiterar a superioridade branca, responsabilizando quem insistir na construção de rotinas que tenham por fim a inferiorização das pessoas negras e indígenas inseridas naquilo que compreender como “seu espaço”.

Nenhuma mudança se constroi sem resistência e eu posso assegurar sem querer jogar a carta Raul (eu nasci ha des-mil-anos-atras-e nao-tem-nada-nesse-mundo-que-eu-não-saiba-demais) que uma ideologia que estrutura dominação e sustenta toda a sorte de privilégios nesse país,nao será desmantelada sem resistência de pelo menos  parte de quem se beneficia, é ingênuo nao pensar nisso e não criar estrutura que garanta espaços seguros que sejam capazes de possibilitar as pessoas negras e indigenas o direito de trabalhar sem ter sua autoridade esvaziada, sem precisar esperar o triplo do tempo que qualquer outro membro da equipe para acessar o mesmo nivel salarial, sem ser tolhidas, sem precisar pagar o tributo do negro que é a obrigação de ter que trabalhar mais que qualquer outra pessoa somente para garantir o direito de estar ali. Sem precisar comprovar a cada minuto do seu dia que essa vaga ésua porque tem competência para realizar esse trabalho e sem ter seus  erros transformados em armas contra si.

É preciso evidenciar e agir acerca sobre micro- e as vezes não tão micro- agressões racistas vivenciadas no cotidiano do trabalho e sobre o desespero que é viver sob essa dinâmica que adoece, silencia e coloca como única opção de sobrevivência a opção de buscar um outro empego, a porta da rua para quem não consegue mais ficar e ter saúde enquanto oferece a quem violenta  a certeza de poder seguir construindo suas carreiras livremente. Se você acha que eu estou sendo pessimista sugiro uma franca conversa com as pessoas negras que você diz apoiar. Elas têm muito a te contar. Temos.

** ESTE ARTIGO É DE AUTORIA DE COLABORADORES OU ARTICULISTAS DO PORTAL GELEDÉS E NÃO REPRESENTA IDEIAS OU OPINIÕES DO VEÍCULO. PORTAL GELEDÉS OFERECE ESPAÇO PARA VOZES DIVERSAS DA ESFERA PÚBLICA, GARANTINDO ASSIM A PLURALIDADE DO DEBATE NA SOCIEDADE. 

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